Um analista literário romântico diria que o tempo se esvai, mas a poesia permanece. Foi frase parecida que usei há muitos anos em artigo sobre um jovem poeta, Vitto Santos, que publicava então um livro de poesia chamado "O pássaro de fogo", em cujos versos destaquei uma pureza vocabular que chamava a atenção para o nome do autor. Opinei então que "O pássaro de fogo" podia ser considerado como estréia importante.
Agora, muitas décadas mais tarde, recebo livro de poesia recente, "Breviário do pássaro de fogo", em que se confirma a previsão da época. O volume reúne a poesia completa do autor, em versos que representam a boa poesia brasileira do momento.
A simples lista dos títulos de unidades poéticas subordinadas a uma "Explicação do homem" pode ser lida como um poema em si. Eis os títulos: "O homem é o seu nome", "O homem é o seu retrato", "O homem é a sua voz", "O homem é o seu sangue", "O homem é a sua terra", "O homem é o seu signo", "O homem são os seus amores", "O homem é o seu ofício", "O homem é a sua casa", "O homem é o seu filho", "O homem são os seus bens", "O homem são os seus pecados", "O homem são as suas lágrimas", "O homem é o seu Deus", "O homem é o seu próximo", "O homem é a sua morte".
O domínio do verso, já revelado no livro de há meio século, veio, com o tempo, ganhando uma força que hoje coloca sua poesia num patamar seguro de expressão vocabular. Herbert Read chama a atenção para o fato de que "a poesia é um modo mais primitivo de expressão do que a prosa", mais primitivo e mais natural, seguindo a análise de Croce: "O homem antes de poder articular, canta; antes de falar em prosa, fala em versos; antes de usar termos técnicos, usa metáforas".
Nessa direção encaminha Vitto Santos suas palavras e compõe (o verbo compor está na essência do fazer poético) os seus poemas, erguendo-os com uma sabedoria de quem sabe que a palavra se basta a si mesma e vai além da estrutura meramente técnica da linguagem. Na lista do que "O homem é", chega o poeta a estes versos: "O homem é isso/ Esse esquife/ Esse descer no bárbaro terrível/ Esse retorno ao pó/ Esse transpasse/ Esse sono derradeiro/ Essa triste encomendação/ Esse esqueleto/ Essa carcaça".
A poesia de Vitto Santos é de justa simplicidade. Suas palavras são as de todos os dias. Há, contudo, na junção de uma com outra, uma firmeza lírica de significados que eleva o tom de seu canto. E as imagens, de que lança mão, prescindem do como, do signo de comparação que pode ser uma debilidade na expressão poética. Essa direiteza no dizer o que é importante se torna mais evidente nos poemas de amor, de que é bom exemplo a "Nova declaração de amor", em que diz à amada que seu amor não está ligado a aspectos extremos ou acontecimentos extraordinários, terminando com estes versos:
"Amo-te porque te amo
Amo-te como um destino
Amo-te teorizada
Amo-te
Mais nada
Amo-te música
Amo-te nuvem
Amo-te rosa e madrugada
Amo-te como se ama a mulher amada."
"Breviário do Pássaro de Fogo" é um bom exemplo da poesia brasileira de agora. Sem se desligar de todo de experiências mais antigas, e com o aproveitamento de meios aperfeiçoados da poética atual, Vitto Santos faz um uso preciso de suas qualidades de cantor de versos.
Ao longo das 445 páginas do livro, há, também, poemas em série, como os 39 conjuntos poéticos de "O verbo amar" e "O pátio dos milagres" (que começa com estes versos "Bandeira viu um homem/ Comendo lixo/ Era um bicho") e versos dedicados a Marilyn Monroe, à morte de Saint-Exupéry e uma "Balada de Gary Cooper".
Breviário do pássaro de fogo é um lançamento da Imago Editora. Capa de Raul Rangel.
Tribuna da Imprensa (RJ) 14/11/2006