Sai no mês de setembro, no Brasil, um conjunto de traduções dos poemas de um dos maiores poetas romenos, pela editora Patuá.
A poesia de Ion Barbu (1895-1961) é uma espécie de galáxia coagulada na mais relevante essencialidade. Um cosmos onde gravitam as diversas forças de interação e objetos astronômicos: objetos da língua, bem entendido, no céu intangível da poesia. Planetas errantes, e muitos sóis, meteoritos velozes, na matéria escura do sentido, em aglomerados que brilham, em satélites desgarrados de significantes fatais. Assim, esse magnifico inventor de língua fundou um universo paralelo, lançando mão do romeno antigo e literário, sem abandonar a palavra de seu tempo, aderente, vigilante e, todavia, atemporal. Barbu promove deslocamentos gramaticais importantes, elide aspectos da declinação, renova substantivos da tradição religiosa ortodoxa, assim como os elementos do mito e da tradição aldeã, sem dispensar – bem ao contrário – elementos da ciência e da matemática. O vive aparentemente uma dupla condição: um nome cartorial e um nome literário, respectivamente Dan Barbilian, brilhante matemático, e Ion Barbu, ponto cardeal da literatura romena. Ambos coabitam o mesmo sentido de unidade, o mesmo apelo central, que recusa a divisão entre a poesia e a geometria. Procurou distingui-las com o passar do tempo, mas jamais decidiu separá-las de modo irremediável. Adiantou-se a filósofos e matemáticos, de Simone Weil a Iuri Manin, que entendem a matemática em sua raiz metafórica, na operação de padrões simbólicos.
Ofereço um extrato em português: “Do tempo, deduzido o abismo em calma crista, /Assomada no espelho, num azul maduro, /A cortar a imersão dos rebanhos agrestes, / Nos grupos de água, um jogo segundo, mais puro. // Nadir latente! Segue o poeta a ampliar / As harpas seminais, que em voo inverso perdes, /E o canto cessa oculto: no seio do mar,/ Divagam águas-vivas de corolas verdes”.
O jogo segundo, a matemática como fibra poética, entre nadir e zênite, das coisas deduzidas, sobrepostas. Enquanto poeta, Barbu não abandona a geometria não euclidiana. Enquanto matemático, a poesia é perceptível em camadas profundas, aquela mesma profundidade a que se referia G. Hardy, em sua Defesa de um matemático. O mais importante, nesse aparente entrechoque entre Barbu e Barbilian, resolve-se na ideia de um espaço comum, sala de trânsito, espólio de trocas simbólicas e reverberação:
“Eu me considero mais um praticante de matemática e menos um poeta, e apenas até o ponto no qual a poesia evoca a geometria. Apesar de parecerem contraditórios, à primeira vista contraditório, esses dois termos, existe em algum ponto, no alto domínio da geometria, um lugar luminoso, onde se encontra com a poesia.”
Nessa abertura de mundo, poesia e número, tenho saudades de Novalis e me arrojo num campo de beleza e de mistério.