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Plebiscito e república das praças

 

As desordens da Praça Tahrir, na Turquia, no centro de São Paulo e na Avenida Presidente Vargas, evidenciam a nova irrupção do inconformismo cidadão com atos de governo, que vão desde o aumento das passagens urbanas ã instalação de um shopping em parque de Istambul. Põe-se em causa, inclusive, a partir dos incidentes turcos, a utilização do mais incisivo dos instrumentos da vontade popular, qual o do plebiscito. Há três anos, com o "Occupy Wall Street" e as invasões da Praça Mayor, em Madrid, não se tinha chegado à adoção do recurso in extremis. E a própria vontade representativa que se substitui, no caso, pela voz direta e final das praças. Tanto é a democracia profunda a marca da contemporaneidade, tanto o seu avanço está abrindo caminho para a manifestação que se quer como o prolongamento do grito, hoje, das praças públicas.

Ganhamos, lá fora, o respeito crescente pela estabilidade e avanço da democracia brasileira, e, sobretudo, pelo Conselho de Justiça, superando o insulamento dos Três Poderes, na sua pseudo intocabilidade, e, agora, o próprio poder de polícia, na fiscalização do Legislativo, nos incidentes de corrupção, escancarados pelo mensalão. Os nossos avanços contrastam com as regressões latinoamericanas, da melancólica presidência perpétua, aberta com a Constituição chavista, aos múltiplos mandatos do governo equatoriano.

A decisão inovadora do governo Erdogan sinaliza, ao mesmo tempo, o risco de uma primeira instabilidade inesperada do situacionismo turco, talvez, sem dúvida, o mais antigo do mundo, mantendo-se, já, no quase século, do advento do governo Atatürk. E vê-se ameaçada, também, a premissa dessa solidez, marcada pelo permanente apoio das Forças Armadas à sucessão dos mandatos civis. Mas qual é o alcance do precedente da discussão da oportunidade de shopping centers em parques públicos, no trazer ao mais comezinho dos cotidianos a consulta popular, direta e irreversível?

A tentação do movimento é a da escalada, passando nas demandas de uma reivindicação defensiva a um programa de medidas governamentais. Mas tal supõe uma concertação praticamente impossível, na miríade de impulsos que levou à Praça Tahrir. Só se irmanaram no detonador, não alcançam uma liderança comum, e tendem a perseverar numa rebeldia pontual. A antecipação do plebiscito deu ao governo Erdogan, de toda forma, o deterrente para desbaratar novas mobilizações, devolvidas à estrita vigília.

Jornal do Commercio (RJ), 21/6/2013