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Plantação de bananeiras

 

— O Brasil é um país de cabeça pra baixo. É só olhar no mapa pra ver. Aquela coisa enorme, tentando se equilibrar numa pontinha fina

Há poucos dias, ao ler que a churrascaria Plataforma está fechando, me veio uma lembrança de Tom Jobim, que durante muito tempo ia lá quase todo dia, fazendo do local uma extensão de sua casa. Adorado pelos garçons (e por qualquer pessoa que o conhecesse de perto), o maestro gostava de ficar um tempão sentado à mesa, bebericando e conversando.

Nesses bate-papos, dizia coisas provocadoras e divertidíssimas. Fazia diagnósticos originais sobre o Brasil, que amava com toda a dor de seu coração. Dizia, por exemplo, que o Brasil não é para principiantes. Ou que é um país úmido demais, e nele tudo se estraga fácil, mais depressa que qualquer fruta: pode às vezes passar logo do promissor para o podre, sem chegar a amadurecer. Ou constatava que no Brasil fazer sucesso é ofensa pessoal.

Uma dessas frases vinha acompanhada do gesto de mostrar as colunas do salão, que ostentavam uma estranha pintura a subir e se ramificar pelo teto, como se fossem galhos se espalhando lá em cima, mas sem a correspondente folhagem que constituiria a copa da eventual árvore. Acabavam parecendo raízes que buscavam o alto, em vez de se aprofundarem no solo. Tom apontava e dizia:

— Igualzinho ao Brasil, olha só.

Para quem estranhasse, explicava melhor:

— O Brasil é um país de cabeça pra baixo. É só olhar no mapa pra ver. Aquela coisa enorme, tentando se equilibrar numa pontinha fina.

Enquanto a gente imaginava a base de um triângulo com a Amazônia imensa, ligada a todo o Nordeste, pesando sobre o pobre Arroio Chuí, na pontinha do Rio Grande do Sul, ele repetia:

— Um país de cabeça para baixo. Fica difícil...

Se fosse paulista, talvez falasse num país de ponta cabeça. De qualquer jeito, de pernas para o ar. Plantando bananeira. Algo como uma realidade invertida, um outro lado do espelho. Um negativo da foto. Uma sociedade pelo avesso.

A toda hora os fatos comprovam que o maestro tinha razão. Passemos por cima das críticas de Lula e do PT ao ajuste fiscal necessário, proposto pelo ministro da Fazenda de seu próprio governo. E da certeza de contarem com os votos da oposição, nesse afã destruidor. Tudo ao contrário do que deveria.

Ainda esta semana, a divulgação do depoimento de um colaborador da Lava-Jato confirma essa plantação de bananeiras: uma reunião com Eduardo Cunha para tratar da cobrança de propina teve de ser interrompida porque colidia com a agenda do deputado que, naquele momento, teria um compromisso religioso. Pasmos, aprendemos ainda que o presidente da Câmara não apenas é um homem com Jesus, mas também põe seus carros de luxo em nome da empresa Jesus.com. Que fim levou o mandamento de não usar Seu santo nome em vão?

E como é que a oposição o apoia, e não toma conhecimento dos documentos arrolados pelo Ministério Público, incluindo as contas não declaradas na Suíça? Como os tucanos não se envergonham de estar entre os aliados do presidente da Câmara? Como explicar que o projeto do mesmo Cunha restringindo o direito ao aborto em caso de estupro seja defendido pelo deputado Evandro Gussi, do PV, partido que se orgulhava de ter a cidadania feminina entre seus valores? E ainda negue que mãe solteira constitui família com seus filhos...

E como o relatório final da CPI da Petrobras, depois de desperdiçar um tempão e um dinheirão, desmoraliza o Congresso e recusa analisar a conduta de parlamentares? Como alega que não é Conselho de Ética, e ainda tem a desfaçatez de atacar o instituto jurídico da colaboração premiada, responsabilizar os investigadores e propor o indiciamento de pessoas que nem sequer foram nominadas? Isso tudo depois de contratar a Kroll por um milhão e mandar parlamentares a Londres pagos pelos nossos impostos.

São infindáveis os exemplos desse país de pernas pro ar. Como frisou o secretário José Mariano Beltrame, é impressionante constatar a indiferença geral diante de tortura e morte de policiais, banalizadas, sem provocar indignação na sociedade, como se devessem ser rotina. Espantoso. Igual ao roubo de armas da polícia dentro de sua própria casa, inclusive o quartel-general e o palácio do governo.

De tanto plantar bananeira, vamos acabar virando uma triste Banana Republic. Acreditando piamente que isso é solução. Afinal, aprendemos no carnaval: banana engorda e faz crescer.

Não chega a ser de pernas para o ar, mas é uma reviravolta. Quando a presidente Dilma assumiu, no primeiro mandato, a elogiei de público, pela coragem em romper o silêncio do governo Lula e se manifestar contra a sentença de morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por adultério. Agora, quando quem ocupa a Presidência é Dilma, que mostra respeitar a liberdade de expressão no Brasil, ela bem que podia ter uma palavra em defesa do escritor angolano Luaty Beirão, em greve de fome, preso em Luanda com outros, por ativismo contra o regime de José Eduardo dos Santos — no poder desde 1979, propiciando que sua filha Isabel encabece a lista da “Forbes” de hipermilionários africanos.

O Globo, 31/10/2015