Tanto a CPI como a mídia em geral estão cometendo um erro tático (ou conveniente) na tentativa de apurar o esquema de corrupção que traumatiza a nação. Mídia e CPI caminham juntas, uma alimentando a outra e ambas se perdendo na dimensão horizontal do escândalo, esquecendo a sua verticalidade.
As semanas passam, a pólvora pura ameaçada, reduzida a pólvora queimada, demonstra que deputados, senadores, técnicos disso e daquilo e os profissionais da mídia que cobrem o caso estão patinando na horizontal, acrescentando mais um deputado à lista dos envolvidos no "mensalão", descobrindo que uma retirada de R$ 9 milhões na conta de fulano virou R$ 39 milhões na conta de outro, a secretária ou o assessor de alguém foi visto ou deixou marcas de sua passagem no banco tal.
Cada descoberta causa pasmo, estupor, editoriais e colunas veementes, na base indignada do "onde estamos?", provocando cartas e e-mails de leitores que repetem o mesmo pasmo, o mesmo estupor, a mesma indignação. É flagrante a emulação de cada órgão no estranhíssimo campeonato para sagrar quem mais se estupora, quem mais vitupera o grande escândalo.
Apesar disso, e pelo menos até agora, tudo tem ficado na horizontal, abrindo o leque para os lados, com o acréscimo diário de mais um nome, mais uma retirada bancária, mais uma licitação ilícita -perdão pelo trocadilho, saiu sem querer.
Na vertical, em busca do vértice da pirâmide, do núcleo do poder do qual se propagaram em ondas todas as tramóias, nada foi feito até agora. Há mesmo temor, um escrúpulo oportunista de ir fundo na corrupção. Membros da CPI e mídia estão se cevando nos beneficiários, culpados sem dúvida, criminosos sem dúvida, mas não os verdadeiros responsáveis pela onda de corrupção instalada em nossa vida pública. Ela só será esclarecida e punida se esquecerem a planície, já suficientemente averiguada, e chegarem ao planalto.
Folha de São Paulo (São Paulo) 31/07/2005