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Pimenta não é refresco

 

O debate sobre a maioridade penal faz parte da visão global da violência no país. Não se está discutindo uma alta indagação sobre a idade do domínio pleno da personalidade, da consciência do bem e do mal. A realidade dramática e cruel dos números revela que os jovens estão matando e sendo mortos. Cerca de 70% dos homicídios, nas duas pontas, acontecem nessa faixa etária.


Ninguém construiu, na literatura universal, páginas mais pungentes que as de Dickens sobre o mundo trágico e desumano da marginalidade infantil, recorrentes desde David Copperfield. Ele questionou o tratamento das crianças na Inglaterra, em que a responsabilidade penal é plena. Ainda agora, os ingleses estão discutindo o direito dos pais de espancarem os filhos.


No Brasil não estamos discutindo esse ponto. Não é sobre a infância, mas sobre as modificações importantes vividas pela sociedade. Não se pode dizer que um jovem de 16 anos, que está diariamente sendo invadido pela sociedade da informação, esteja incapacitado para distinguir entre o bem e mal, o crime e a boa ação.


Não quero examinar o argumento de que a violência dos jovens tem alguma conexão com a violência na televisão e o comportamento anti-social. Esse debate sobre conteúdos violentos na programação está presente e longe de chegar a um ponto conclusivo.


No estágio atual do desenvolvimento humano, da civilização, é impossível aceitar que um jovem de 16 anos possa votar, escolher os dirigentes do seu país e ser criminalmente irresponsável.


Mas não está aí o maior perigo. As quadrilhas estão se formando com base nessa imputabilidade, pois todas elas recrutam meninos, dão-lhes armas, os treinam; e nas missões mais cruéis são eles os encarregados de matar, justamente porque os criminosos sabem que ficarão livres das maiores penas e que têm neles uma carta de seguro.


Evidentemente, não se espera uma solução única para o problema da criminalidade infanto-juvenil. Esta tem causas muito mais profundas e requer soluções muito mais complexas, que têm raízes na educação. A lei penal poderia, na aplicação das penas, estabelecer um sistema de consideração da idade e tratar da recuperação de maneira especial.


Estamos na fase final de votação do Estatuto do Desarmamento, do adeus às armas em nosso país. Não são medidas que resolvam tudo de uma vez - repito -, mas tendem a ajudar, e muito, na solução do problema. Não podemos mais é ficar vendo a total anarquia do combate à violência. Matar passou a ser uma banalidade cotidiana. É terrível viver numa sociedade em que o crime não choca mais, passou a ser rotineiro e incapaz de indignar as pessoas. É preciso que dois jovens sejam assassinados brutalmente para que se veja que outros jovens, menores de 16 anos, são impunes e podem matar livremente!


A redução da maioridade penal não é solução salvadora, mas é necessária, principalmente para o bem dos próprios jovens.


Pimenta nos olhos dos outros não é refresco. Só quem pode avaliar a dor são os pais, os dos assassinos e os das vítimas.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro -RJ) em 21/11/2003

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro -RJ) em, 21/11/2003