A decisão das três redes de televisão abertas dos Estados Unidos - ABC, CBS e NBC - de tirar do ar o pronunciamento do presidente Donald Trump na Casa Branca acusando a apuração da eleição presidencial de fraudulenta sem apresentar a menor prova foi drástica, mas com certeza já havia sido combinada entre as redes para o caso de uma declaração estapafúrdia colocar em risco a credibilidade da eleição. Aconteceu quando o presidente já era um “pato manco”, como se define um político em fim de mandato.
Há uma série de erros a partir daí, a começar pelo fato de que Trump não poderia usar a Casa Branca para fazer proselitismo político em meio à apuração da eleição. Foi uma atitude clara de pressão sobre os estados em que perdia, além de passar adiante boatos e rumores que ganham ares de verdade saindo da boca do presidente da República.
Trump mentiu, como sempre, no pronunciamento que provocou a decisão polêmica das redes de televisão. Mas sempre foi assim, e a imprensa nunca tomou uma decisão tão definitiva como essa. Eu prefiro uma posição mais razoável, como a CNN Internacional ou a Fox fizeram: deixá-lo mentir, e, em seguida, denunciar a mentira. Mentira tem perna curta.
Não cabe aos meios de comunicação censurar o presidente da República, por mais baixo e vulgar que ele seja. No caso em questão, seria impossível não transmitir, pois, embora desconfiassem qual seria sua posição, nem os jornalistas nem os políticos tinham certeza de quão longe ele iria.
Aqui no Brasil, pôde-se tomar a decisão de parar de acompanhar as falas do presidente Bolsonaro na porta do Palácio do Planalto pelas manhãs porque ele assumiu uma atitude de menosprezo pelo trabalho dos jornalistas, jogando-os contra seus seguidores mais fanáticos que ali compareciam para pedir favores ou simplesmente tirar uma foto com ele. Bolsonaro segregou os jornalistas em um curral, e incentivava seus seguidores a criticá-los, o que deixou de ser um acompanhamento da atividade do presidente para se transformar em um circo político contra o jornalismo independente. Além do mais, não eram pronunciamentos oficiais, mas conversas informais com seus seguidores.
Os EUA não têm tribunais regionais, nem um tribunal superior para lidar com as questões das campanhas eleitorais, e mais uma vez os fatos demonstram que é melhor tê-los. O que parecia um exagero de nosso sistema judicial mostrou-se muito útil, sobretudo em situações como a que a apuração da corrida presidencial nos Estados Unidos chegou.
Como não há um órgão centralizador para organizar os recursos eleitorais, cada estado terá que lidar de maneira diferente com os recursos de Donald Trump em seu próprio sistema judicial. E cada estado tem legislação diferente sobre a eleição e seus desdobramentos. Depois de 2000, alguns estados decidiram recontar os votos automaticamente se a diferença for de menos de 1%. Outros recontam se a diferença for de 0,5%. Outros só recontam se a Justiça mandar.
Os recursos são encaminhados à justiça de primeira instância, e alguns podem subir até a Suprema Corte, dependendo da situação. Por isso, ainda vai demorar alguns dias para Joe Biden ser anunciado oficialmente como presidente dos Estados Unidos. A pressão sobre Trump já está muito grande, por parte de assessores mais corajosos e de políticos republicanos.
Tentam convencê-lo de que o Partido Republicano teve uma eleição vitoriosa, podendo manter a maioria do Senado e aumentando o número de votos, tudo isso devido à sua liderança política. O próprio Trump recebeu mais votos que Barack Obama quando foi eleito, aumentando sua votação em relação a 2016.
Mas, em vez de sair como um grande líder político e preparar o partido para retomar o poder em 2024, Trump pode perder força política interna depois das atitudes e declarações irresponsáveis, que andaram incomodando no interior do partido Republicano, embora mantenha a força popular.