As autoridades alegam que é assim em qualquer metrópole. Pode ser, mas isso não serve de consolo. Já vivemos numa cidade que dá saudades
Soube da morte de Ana Lúcia Neves (assassinada no Recreio dos Bandeirantes esta semana) durante a cerimônia de comemoração dos 50 anos do Museu da Imagem e do Som, que terminou com um emocionante show de Teresa Cristina, Nelson Sargento, Monarco e uma canja de Paulinho da Viola, um elenco de ouro cantando músicas sobre o Rio, selecionadas pela diretora do MIS, Rosa Maria Araújo. Na noite anterior, assistira a outro memorável show: Ithamara Koorax interpretando cerca de 30 canções do repertório daquela que foi sua madrinha na profissão e de quem é uma discípula à altura, Elizeth Cardoso. Dificilmente se pode ver em outra cidade espetáculos com a qualidade das músicas e de intérpretes que, com razão, nos enchem o peito de orgulho e nos fazem dizer: “Que bom ser carioca”. Isso, se não fosse o que cada vez mais acontece entre os momentos de festa, no nosso cotidiano, as manifestações de uma outra cidade — violenta, ameaçadora, mais perto da barbárie do que da civilização.
Os conhecidos de Ana Lúcia presentes à celebração do MIS, além da indignação, comentavam a contradição e o absurdo da tragédia. Contradição porque ela, aos 49 anos, era uma pacífica mãe de três filhos, casada com Sávio Neves, vice-presidente da Associação Comercial e sobrinho do vice-governador do estado. E absurdo porque o crime ocorreu às 11h em frente à academia de ginástica que frequentava e à vista de muitas pessoas. Não foi num lugar ermo, isolado. Segundo testemunhas, o pretexto do assassino foi o pedido de socorro da vítima ao resistir ser arrastada para dentro do carro em que seria sequestrada (só para se ter ideia do clima reinante: mais ou menos à mesma hora e a 12 quilômetros dali, dois bandidos, numa moto, tentaram matar o motorista Milton Nunes, que foi alvejado com um tiro por demorar a abrir o vidro do carro. Teve sorte porque a bala pegou no volante, ricocheteou e atingiu apenas a sua mão). Antes, os ladrões se contentavam em roubar; agora, roubam e matam ou matam e roubam. As autoridades alegam que é assim em qualquer metrópole. Pode ser, mas isso não serve de consolo. Já vivemos numa cidade que dá saudades, como a cantada em várias músicas no show do MIS. Era o tempo em que o Rio de Janeiro tinha suas zonas perigosas. Recomendava-se ao turista do Brasil e do exterior não frequentar esses lugares em determinadas horas. “Não vá lá de noite”. Agora, porém, chegamos à triste situação de que o perigo não está mais aqui ou ali, mas em toda parte e a qualquer hora.