Nos áureos tempos do cinema-novo, havia perplexidade entre as cultas gentes ligadas ao setor. Os mestres da câmara na mão e uma idéia na cabeça olimpicamente não entendiam como suas obras não alcançavam o grande público, que continuava preferindo filmes dos Trapalhões e Mazzaroppi.
Prêmios internacionais, artigos laudatórios nos melhores jornais do mundo, nada disso influía na bilheteria e no entusiasmo que o povão dedicava às chanchadas e no desdém às obras-primas aqui feitas pela nossa elite cultural e artística.
Pulando das chanchadas e do cinema-novo para a prática eleitoral, vejo que os institutos de pesquisa continuam dando a políticos proscritos, como Maluf, Collor e outros, liderança nas intenções de votos.
Evidente que ainda falta muito para as eleições, muita água rolará sob as pontes e a briga de foice está apenas começando. Mas não deixa de ser um sintoma que precisa ser explicado: o chamado povão não leva a sério os prognósticos dos especialistas que davam Maluf, Collor, ACM, Barbalho como defuntos insepultos, definitivamente queimados perante o eleitorado.
Fácil concluir que a mentalidade deste povão é perversa, tanto na hora de preferir uma chanchada dos Trapalhões como um retorno de Maluf, tão seriamente acusado de irregularidades, mas cuja imagem continua intacta junto a grande parcela do eleitorado.
Perversidade inata do povo ou generalizada falta de memória? Sinceramente, não sei. Constato apenas que, tal como no duelo entre o cinema-novo e a chanchada, a justa medieval entre os bons e os maus da vida política obedece a uma razão que a razão desconhece.
Pelé escandalizou gregos e troianos quando disse, não faz muito, que o povo não sabia votar. Será isso mesmo? Ou os que pensam que sabem votar na realidade nunca entendem o que o povo quer?
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 11/07/2002