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Perdendo a razão

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mais uma vez deu um passo maior que suas pernas ao, em vez de punir o X por querer funcionar no Brasil contra as exigências da legislação, passar a perseguir as empresas do mega empresário Elon Musk. Ao determinar a extinção do antigo Twitter no país, colocou-nos ao lado de países como Coréia do Norte, China, Irã, Miamar, Rússia e Turcomenistão.

Companhias nada honrosas, não? Mais de 20 milhões de brasileiros deixarão de usar o X, por determinação do STF, o que não fala bem da nossa mais alta Corte de Justiça, abrindo brecha para que as acusações de bolsonaristas e correlatos ganhem ares de verdade. O ministro Alexandre de Moraes, que atribui a todas as suas decisões o dom de defender a democracia, esquece-se de que a liberdade de expressão é a base dos direitos humanos numa democracia.

Toma decisões de maneira voluntarista, sem avaliar suas consequências. Tanto que teve que voltar atrás da tentativa de impedir que brasileiros usassem o VPN, instrumento tecnológico indispensável a diversos cidadãos, para entretenimento ou trabalho profissional. Além do mais é ridículo tentar anular o VPN ou ameaçar multar quem ousa usá-lo para acessar o X, pois tecnicamente não é viável.

Apesar de ter razão ao exigir um representante legal da empresa de Musk no Brasil, Moraes excedeu-se nessa contenda pessoal contra o dono do X. Cobrar da Starlink, empresa de satélites de Musk que atua no Brasil, as multas do X é um absurdo jurídico permitido apenas porque no país, o Supremo há anos amplia o entendimento da legislação quando lhe convém. Chamar a Starlink e o X de “organização econômica de fato”, o que permitiria essa manobra, é mais uma ampliação de interpretação jurídica que coloca os cidadãos em uma insegurança jurídica.

Ainda mais quando não há a quem apelar contra o STF. Colegas de Moraes estão pedindo que ele leve a plenário a sua liminar no caso, como se isso fosse ampliar o direito de defesa de Elon Musk. Se fosse o caso de apostar, tenho a impressão de que a que pagaria menos seria a que acha que Moraes será apoiado pela unanimidade do plenário. Levar decisões para uma palavra colegiada seria o correto, se houvesse no Supremo juízes independentes entre si.

Mas essa obsessão de proteger o Tribunal dos ataques oposicionistas faz com que qualquer decisão contrária ao relator de todos os processos - ministro Alexandre de Moraes - seja vista como uma traição ao espírito de corpo, ou uma traição à democracia. Num clima desses, ninguém, virtualmente ninguém, tem chances de vencer uma ação contestatória. Não importa que os juízes do STF tenham tido uma atuação rigorosa e eficiente no combate à tentativa de golpe. Na punição aos presos, perdeu-se a capacidade de equilíbrio, medidas emergenciais como tirar do ar blogs que tiveram atuação antidemocrática continuaram a ser mantidas.

Punir o que foi publicado é uma coisa, segundo os critérios legais. Mantê-los fora do ar eternamente é censura prévia, perseguição política. Não é preciso concordar com os acusados para defender a liberdade de expressão. É difícil conter esses celerados que utilizam os meios digitais para incendiar a política. Se ninguém pode escrever o que quer num jornal impresso, ou falar o que quer numa rádio, por que os blogueiros bolsonaristas poderiam comportar-se desse jeito na internet?

Confesso que fiquei assustado quando li, anos atrás, em artigo num jornal de peso dos Estados Unidos o autor escrever que “se pudesse daria um soco na cara do presidente”. Hoje, aqui no Brasil, o sujeito estaria preso. Lá, no máximo, houve quem reprovasse sua linguagem, mesmo se eventualmente tivesse a mesma vontade. Nossa democracia precisa ser exposta a esses devaneios, a esses exageros, para se fortalecer. No momento, graças às decisões exageradas do ministro Alexandre de Moraes, está exposta ao mundo como um regime autoritário, mesmo quando tem razão.

O Globo, 01/09/2024