O domingo cinzento era um dia triste. O cenário do cemitério israelita de Butantan, em São Paulo, mesmo que muito bem tratado, era mais triste ainda. Quem pode se conformar com a perda de um irmão, mesmo que seja o mais velho, e que tenha tido uma longa e proveitosa existência de 88 anos?
Era o enterro do Sylvio, que se notabilizou em São Paulo por duas atividades essenciais: engenheiro de méritos indiscutíveis e professor brilhante com destaque para os 25 anos de atividades na Universidade Mackenzie, onde se formou em engenharia na década de 40.
Na cerimônia religiosa, ao lado esposa Judith (quase 60 anos de bodas felizes), das filhas Eliane e Sheila, além de netos e amigos, Sylvio foi homenageado por um dos rabinos presentes. Ao falar das suas virtudes, fez questão de ressaltar especialmente a retidão de caráter. Nada mais importante para quem amou a sua condição de mestre, que foi também no Instituto Mauá de Tecnologia, na FAAP e na Politécnica. Era um sábio.
Com uma particularidade sobre a qual ouvi elogios intensos, em outros tempos, da professora Esther Figueiredo Ferraz, sua amiga, e que foi reitora do Mackenzie e primeira mulher a ser ministra da educação do Brasil: “É incrível a paixão do Sylvio pela geometria descritiva. Há uma corrente achando que os futuros arquitetos e engenheiros não precisam mais dessa matéria, mas ele defende com unhas e dentes a sua utilização – e eu fico impressionada com os seus argumentos.”
Sylvio foi muito querido e respeitado pelos seus milhares de alunos. Suas filha Eliane e Sheila têm uma explicação: “Além de conhecer profundamente a matéria, foi dono de um bom-humor permanente. As aulas eram muito agradáveis.”
Quando ainda no Rio, com toda a família, foi aluno do Colégio Independência, na rua Barão do Bom Retiro, sempre primeiro da turma. Uma das características marcantes da sua personalidade foi o profundo amor pelos livros. Era um leitor apaixonado, com especial predileção pela filosofia da matemática. A família, que viveu em São Paulo entre 1944 e 1946, voltou para o Rio, mas ele não conseguiu transferência para a Escola Nacional de Engenharia. Vindo de uma faculdade particular (Mackenzie) era praticamente impossível obter uma vaga na ENE, embora tivesse notas excepcionais. Éramos desprovidos de pistolões.
Sylvio nunca perdeu o espírito carioca. Vinha passar as férias no Rio e escolhia especialmente a época de Carnaval, que adorava. Morávamos na Tijuca. Uma das suas grandes alegrias era vestir-se de “sujo”, solitariamente, sair de casa todo disfarçado, pegar o bonde Tijuca (66) e dar uma volta pela cidade, muitas vezes no estribo, se deliciando com a reação das pessoas. Depois de casado com a sua amada Judith, procurou novamente a praia e fez de Peruíbe o seu paraíso, para onde ia nos finais de semana, pouco se importando com as horas perdidas na estrada sempre cheia. Os dias e as horas vividos na cidade paulista de Peruíbe (onde fez algumas construções) valiam a pena. Este é o bom Sylvio que perdemos. Jamais será esquecido.
Jornal do Commercio (RJ), 1/2/2013