Em crônica da semana passada, na Ilustrada, comentei a onda que a mídia e os interbobos estão fazendo contra o avião comprado pelo governo para a Presidência da República. Uns e outros repetem o mesmo argumento pedestre e demagógico: "Enquanto houver uma criancinha passando fome no Brasil, o governo não pode gastar milhões para comprar um avião luxuoso para Lula". Nem vale a pena salientar a bobagem do argumento. O avião não chega a ser tão luxuoso assim nem é um brinquedinho para o deleite pessoal de Lula. O tempo, o espaço e a energia que perdem para condenar o avião, que não merece condenação, a menos que caia e mate alguém, deveria ser gasto na condenação que o atual governo realmente merece. E merece cada vez mais ao priorizar a contabilidade pública (para agradar o FMI e os especuladores estrangeiros) em detrimento da agenda social, que, sobretudo no caso de um país como o Brasil, onde tantas criancinhas morrem de fome, deveria ser a prioridade máxima. As duas tentativas para engabelar o eleitorado que votou nele (Fome Zero e Bolsa-Família) marcarão o seu governo como de um ridículo atroz. Lula poderá fazer chover no plano econômico, se é que realmente a economia nacional transformou-se na maravilha purgativa que estão dizendo por aí. Mas será um presidente mais do que medíocre, embora tenha o direito de voar num avião melhor e mais seguro.
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A propósito da crônica que publiquei comentando a inadmissível falta profissional de Gilmar Mendes, entre outras manifestações que agradeço, recebi do senador Jefferson Péres a seguinte mensagem: "Filho de magistrado, venho de um tempo em que juízes só falavam nos autos -e depois de estudá-los. Hoje, estranhamente, eles falam pelos jornais e antes de examinar o processo. PS - Faça desta mensagem o uso que lhe convier".
Folha de São Paulo (São Paulo) 23/01/2005