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Penas da pena

 

Deve ser ingratidão minha criticar a imprensa que ajudou meu pai a matar minha fome e hoje me ajuda a matar não apenas a minha fome, mas a fome dos meus. Acontece que sempre embirrei contra alguns lugares-comuns da mídia e, para ir diretamente à questão, podendo enumerar centenas de casos e exemplos, fico na mania de noticiar a pena dos condenados de maneira global.

Os criminosos que atuam em bando, formadores de quadrilha e chefes do crime organizado, quando entram em merecidíssima cana, recebem, cada um, a pena pessoal prevista no Código Penal.

Não sei qual foi o gênio da comunicação que decidiu somar todas as penas de crimes cometidos por um grupo, dando o espantoso resultado que, no fundo, pretende impressionar a sociedade.

Ficamos sabendo que os corruptos envolvidos em determinado escândalo foram condenados a quase 300 anos de cadeia. E daí? Nem o conde de Monte Cristo pegou pena tão longa.

Trocadas em miúdos, as condenações ficaram na média de 15 anos para cada um, o que pode parecer pouco e torna-se pouquíssimo quando se sabe que a legislação prevê reduções, atenuantes, libertações condicionais etc.

Aliás, o tamanho das penas é coisa que nunca entendi direito. Falo por experiência própria. Em 1964, processado pelo então ministro da Guerra, Costa e Silva, o promotor que atuou no processo pediu uma pena de 30 anos para meus crimes de opinião. Meu advogado, Nelson Hungria, apelou e conseguiu no STF que o processo corresse pela Lei de Imprensa.

Fui então condenado a apenas três meses de prisão. Não deu para entender, embora a redução me beneficiasse. Quanto aos 30 anos pedidos pelo promotor, raramente um preso político fica tanto tempo na cadeia. Tampouco o criminoso comum.

Folha de São Paulo, 24/3/2011