As últimas semanas evidenciam novos atentados à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de meados do século XX. Deparamos, hoje, a violência das condenações de pena de morte pelo tráfico de drogas, na Indonésia; a resistência europeia à migração africana e islâmica; ou a ruptura de toda a ideia de universalidade do Estado de Direito, pela criação e expansão do Isis, com a negativa de qualquer reconhecimento da identidade do "outro", tanto individual quanto coletiva, como definida pelo Estado-nação da contemporaneidade. No retorno ao obsoleto califado, seus chefes proclamam que esses mesmos direitos humanos não passam de uma imposição do imperialismo ocidental.
Por outro lado, vai a julgamento, em Haia, o recurso de alguns Estados africanos, liderados pelo Egito, contra a Alemanha, no presente interdito às levas islâmicas em seu território. Não se trataria, para o governo de Berlim, de uma estrita projeção do direito de ir e vir, assegurado pelo habeas corpus, mas de uma confrontação de identidades coletivas, frente à qual o Estado recipiente teria direito de se opor, em nome do próprio bem comum. Estaria em causa, sim, a legítima defesa de uma configuração nacional, com o seu direito indiscutível de acolher, ou não, determinadas minorias, especialmente quando marcadas por uma forte diferenciação cultural. Delineia-se, a partir das Nações Unidas, o impacto, desta última década, sobre os Direitos Humanos, dos movimentos sucessivos e avassaladores da Al-Qaeda e, a seguir, do Isis. Importaram, de saída, no repúdio ao direito à diferença, para, a seguir, chegarem à sua negação radical. O movimento de derrubada das Torres Gêmeas, em 2001, exprimia a consciência do sufoco pelo Ocidente, entendido como "a civilização", diante das culturas lindeiras, no correr destes últimos séculos, e especialmente a islâmica. Tratava-se, em toda a violência desse confronto, de devolver o Ocidente ao seu estrito espaço histórico, e de pretender uma nova e distinta coexistência internacional. Tal impulso se associaria a uma busca desta autenticidade coletiva levada ao fundamentalismo e, a partir dele, à completa negação do "outro". É o que proclama o Estado Islâmico, que repudia qualquer suporte a uma ordem internacional baseada na coexistência de nações diferentes. Mais ainda: mal entramos nessa era do abate generalizado, pelo EI, de todas as coletividades distintas. Ou da própria eliminação de sua memória, como hoje registramos na destruição de todos os monumentos do passado pré-Islã do Oriente Médio, e, ainda agora, das relíquias arquitetônicas de Palmira, na Síria. Ao mesmo tempo, a defesa do califado só reconheceria a vigência de uma coletividade em toda a sua pureza e no confronto com o Estado-nação.
Delineia-se, pois - e o reconhecem as Nações Unidas, através do Conselho da Aliança das Civilizações -, como se torna fundamental a explicitação do direito à diferença, tão assentado, como se presumia, nos próprios fundamentos do Estado de Direito contemporâneo, aponto de prescindir-se de seu enunciado na Declaração de 1948. E é nesse mesmo horizonte, já, de uma afirmação prospectiva de tais direitos que se supera o horizonte do clássico welfare da modernidade, em busca de uma afirmação do "mais ser" do homem. Esses direitos - que jamais se completam - se transformam em tarefa constante e crescente de uma consciência universal, abrangendo o aproveitamento de todo o patrimônio físico-biológico, de par ainda incipiente aprendizado cerebral, e o refino do imaginário ou da memória.
O provável abate militar do Isis indica a marca, hoje, irreversível, de que podem existir exílios geográficos de nações, mas não da humanidade, na afirmação, sem volta, de sua necessária coexistência.