Não é por acaso que o livro do acadêmico José Murilo de Carvalho sobre D. Pedro II - Ser ou não ser está tendo enorme repercussão, porque lançado num tempo de tanta corrupção, escândalos e mensalões, justamente o contrário daqueles anos do Segundo Reinado.
Nele conta-se a história de um imperador que tinha nas veias o sangue da realeza austríaca e que assumiu o trono no Brasil com menos de 15 anos de idade,e nele permanecendo durante quase meio século. Durante esse tempo, viu abolidos o tráfico e a escravatura, enfrentou a terrível seca de 1877 e consolidou a soberania e a unidade nacionais, com vitórias militares contra a Argentina de Rosas, o Uruguai de Oribe e o Paraguai de Solano Lopez.
Enfrentou a Questão Religiosa, com a prisão de dois bispos: Dom Vital e Dom Macedo; as revoltas da Cabanagem (PA); da Balaiada (MA); da Praieira (PE); da Sabinada (BA); do Vintém (RJ); dos Liberais (SP) e dos Farroupilhas (RS).
E que, como Poder Moderador, teve habilidade para imperar sobre a gangorra entre liberais e conservadores, dos gabinetes parlamentaristas. Durante quase cinco décadas de ambicionadas paixões políticas, ele manteve sempre um distanciamento que não estimulava intimidades ou camaradagens.
Foi muito criticado pelo excesso de liberdade que garantia aos jornalistas. Era um sedento de afeição, solitário e introvertido, que se escondia atrás do cetro e das pompas.
Deste livro de José Murilo, ressaltam lições de poupança e economia nos gastos públicos, infelizmente muito pouco imitadas hoje em dia. O imperador nunca aceitou aumento de salário. Em suas comitivas de viagem levava três pessoas, no máximo. Recusou uma verba de dois mil contos de réis para ele e de quatro mil contos para a filha Isabel, enquanto regente, pedindo que, "respeitassem o desinteresse de ambos por dinheiro". E reduziu ao mínimo as despesas do palácio, cortando empregos dos mordomos, dos camareiros e da Guarda Imperial.
Já no exílio, proscrito e enxotado do território nacional, como se fosse um bandido, diabético, pleurítico, sonolento e meio desmemoriado, hóspede do modesto Hotel Bedford de Paris e dormindo sobre um travesseiro recheado com areia levada do Brasil, Dom Pedro rejeitou a ajuda de cinco mil contos dados pelo remorso da República. Preferiu fazer, para custear-lhe a doença, um empréstimo pessoal, que foi pago logo depois de sua morte.
Estes são alguns dos muitos exemplos das sóbrias honradez e dignidade que nos deixam muitas saudades, em comparação com a perdulária orgia dos dias atuais.
Assim, vem a calhar e é lançada num momento assaz oportuno esta obra do acadêmico José Murilo de Carvalho sobre o inesquecível rei, tradutor de Ésquilo, Dante e Lamartine, e amigo de Gobineau, Wagner, Longfellow, Renan, Pasteur, Agassiz, Graham Bell, Alexandre Herculano, Theodore Roosevelt, Joaquim Nabuco e Victor Hugo.
Ele foi igualmente um republicano que, até mesmo sem querer, nasceu monarca.
Segundo Gladstone, foi um governante modelo do mundo.
Jornal do Brasil (RJ) 24/11/2007