A crise originada pela politização dos militares pelo presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de permanecer no poder de qualquer maneira, fosse pelo voto - o que não aconteceu por muito pouco -, ou através de um golpe político-militar, parece estar sendo superada desde que o presidente eleito, Lula, deixou vazar que o ex-deputado José Múcio Monteiro será o novo ministro da Defesa.
As negociações nos bastidores encaminham-se para que a transição dos comandos militares seja feita da maneira mais normal possível, sem a antecipação pretendida pelos atuais comandantes das três Forças. No entanto, a politização deixou sequelas, que só serão resolvidas a médio e longo prazos.
Há uma ansiedade entre as altas patentes militares para que o novo ministro da Defesa e o presidente da República se posicionem em apoio a projetos militares estratégicos claramente sustentados; à política de recursos humanos, sobre a qual pretendem total controle das Forças Armadas, e um diálogo 'franco e respeitoso' com os altos-comandos.
Essas questões, que pareciam estar resolvidas em governos anteriores com a criação de um Ministério da Defesa comandado por civis, foram reavivadas pelo presidente Bolsonaro, que deu aos militares funções com cunho político e os exortou a participar de seu projeto eleitoral, alimentado contra o fantasma do comunismo. Retornando ao poder através da vitória de Bolsonaro em 2018, a atuação política entre os militares foi 'aturada' durante os últimos quase quatro anos, incentivada por Bolsonaro, que sempre que podia fazia discursos de cunho político em solenidades militares.
Os militares temem que um governo petista estimule ações que desestabilizem a hierarquia, embora tenham sido os próprios comandantes militares que aceitaram a indisciplina quando favorável aos planos político-eleitorais de Bolsonaro. Agora, eles anseiam por sinais de que o nível político vitorioso será inflexível na questão da disciplina. Há nichos dentro das Forças Armadas que não aceitam o processo político-eleitoral como foi conduzido, e serão estimulados a assim se manterem. A começar pela anulação pelo Supremo Tribunal Federal dos julgamentos do hoje presidente eleito Lula, que permitiu que ele disputasse a eleição que ganhou este ano. Outro problema é a visão que têm do Supremo Tribunal Federal, estimulada pelo presidente Bolsonaro, mais negativa do que se possa imaginar. Eles criticam a insegurança jurídica que decisões do Supremo, que consideram contraditórias, provocam.
O que chamam de 'invasão das competências privativas do presidente da República', que é o comandante e chefe das Forças Armadas, tão criticada pelo próprio Bolsonaro, parece tese assimilada pelos militares. Eles citam não apenas decisões que o STF tomou consideradas contrárias a Bolsonaro, como o impedimento de o presidente nomear o delegado Ramagem para chefiar a Polícia Federal, mas problemas com outros presidentes: o ministro Luís Roberto Barroso ter suspendido a anistia dada pelo então presidente Temer; a ministra Cármen Lúcia proibir a filha do Roberto Jefferson de tomar posse no Ministério do Trabalho; o ministro Gilmar Mendes ter proibido Lula de assumir a Casa Civil de Dilma Rousseff, seriam 'interferências indevidas'.
As críticas são ácidas, mais incisivas quando se referem à decisão do STF de anular as condenações do hoje presidente eleito Lula. Outro ponto delicado será o tratamento aos cerca de seis mil militares que ocupam cargos na Esplanada dos Ministérios. Muitos deles estão em postos de carreira militar, como os quase mil que fazem a segurança do presidente da Repúbli-cae do vice-presidente ou trabalham no Palácio do Planalto ou nos residenciais, mas a maioria ocupa cargos civis.
Está em debate o que fazer com eles, e uma das sugestões é não tomar nenhuma decisão individual, mas definir por lei quais são as áreas em que os militares têm que atuar. Três delas são as mais importantes: nuclear, espacial e cibernética. No mundo inteiro está surgindo, por exemplo, uma quarta força, que é a cibersecurity.
Outra medida para evitar a politização militar seria definir que agentes do Estado, que ocupem funções centrais, não apenas os militares, mas auditores fiscais, diplomatas e outros, que desejarem participar da política partidária, terão que ter uma quarentena anterior à eleição, para não se elegerem às custas de sua corporação, fazendo política eleitoral, e não de Estado. E saber que, se entraram na política, eleitos ou não, não voltarão aos cargos anteriores.