Começa a esquentar a briga entre Lula e FHC. Foram cordiais um com o outro até recentemente. No passado, estiveram juntos em diversos lances de nossa vida política. O rompimento, que ainda não parece definitivo, nada tem a ver nem com o passado nem com o presente, mas com o futuro, e atende pelo nome de sucessão presidencial.
De qualquer forma, a troca de farpas entre os dois está esquentando e, ao mesmo tempo, está enchendo a nossa paciência. Lembro um episódio que parece totalmente alheio à questão e que resultou numa guerra que matou gente.
Inglaterra e Argentina foram às fuças, uma da outra, por causa das Ilhas Malvinas. O conflito ficou limitado aos dois contendores, mas, em certo momento, parecia ampliar-se devido às alianças que cada lado mantinha com outros países. Sabe-se como uma crise internacional começa, mas nunca se sabe como ela acaba -se é que acaba mesmo.
Publiquei então, na revista que editava, a foto de dois homens ilustres, um ao lado do outro: o primeiro-ministro inglês, Harold McMillan, e o escritor argentino Jorge Luís Borges. Creio que, felizmente, eles não tomaram conhecimento da crueldade.
Os dois já estavam mais pra lá do que pra cá, creio que com mais de 80 anos. Trôpegos, andavam com o apoio de bengalas esguias e elegantes. Além do mais, um era cego, e outro, quase isso.
Sugeri que os dois decidissem a briga não com canhões, navios e aviões, mas com as respectivas bengalas. Quem acertasse mais bengaladas no outro venceria. O preço da paz nunca seria tão barato.
A briga entre Lula e FHC não chega a ser dramática como a Guerra das Malvinas. Além disso, não usam bengalas, pelo menos até agora. Mas dando um pau a um e a outro, num ringue que ambos escolheriam de comum acordo, com a presença dos principais líderes da vida nacional e narração isenta do Galvão Bueno, teríamos resolvido a questão.
Folha de São Paulo (São Paulo) 06/03/2005