Sei que vocês devem ter sentido a mesma coisa, aí em frente a tevês ou telões, mas eu estou aqui no centro de imprensa de Munique, duas horas antes do jogo. No meu bolso direito, um frasquinho de uma tisana à base de maracujá, oferecido por uma compatriota solidária com meu estado lamentável.
Não tomei nada, mas ninguém sabe o que pode acontecer, o maracujá é bem-vindo. E, quanto a vocês, manda a honestidade jornalística confessar que este — como direi? — comentário está sendo feito aos pedacinhos e, a depender do jogo, não só poderá estar cheirando a maracujá como pode vir a ser concluído por algum companheiro caridoso, se eu for internado. Agora faço o primeiro intervalo, para ir ali, tomar um refrigerante e roer as unhas. Volto (otimismo, otimismo!) depois do nosso primeiro ou segundo gol. Saudações trêmulas.
Pronto, Hino Nacional tocado (desta vez não chorei, estou ficando um velho empedernido), jogo começado, a torcida da Austrália faz muito mais barulho que a nossa. Com meus elevados conhecimentos técnicos de futebol, vejo nos uniformes australianos luto fechado por uma acachapante derrota. Logo mudo de idéia e me pergunto se o luto não será por nós, porque a seleção não arma uma jogada certa. Apalpo o bolso, lá está o elixir de maracujá. Tem até um gostinho agradável, mas acho que eu precisava mesmo era de um sossega-leão, para me fazer agüentar o famoso quadrado mágico. Esperava que o o segundo intervalo aqui fosse para o primeiro de inúmeros gols nossos, mas agora me assalta o receio de que seria para um gol deles.
Ronaldo melhora um pouco. Ronaldinho outra vez nem chega perto do que faz no Barcelona e receio que nosso primeiro intervalo aqui será excelente para nós, porque é o intervalo do jogo mesmo e evita que o pessoal do canguru acabe marcando, pois, jogando daquele jeito, a gente ia acabar tomando um gol, apesar da geral falta de intimidade deles com a bola. Acaba o intervalo, todo mundo espera que o time venha sem nenhuma mudança, porque Parreira, sabem Deus e ele por quê, não faz substituições no intervalo. E é o que acontece. Clima algo sinistro entre a torcida.
Aí, inesperadamente, o quadrado mágico dá uma dentro e Adriano faz um gol. Mas isso não é suficiente para nos liberar do medo de passar o para mim intolerável vexame de perder para a Austrália. E, finalmente, entram Robinho e Fred, que, se não podem melhorar sozinhos um time que não está bem, pelo menos instauram, principalmente o primeiro, um clima diverso no estádio. E o segundo gol saiu deles. Ganhamos, ganhamos, não vou reclamar. Mas aquela equipe em campo ontem não é a seleção brasileira que merecemos. Com esse quadrado mágico, o maracujá pode vir a tornar-se uma espécie
O Globo (Rio de Janeiro) 19/06/2006