Quando o Brasil começa, com a Independência, a idéia fundamental da construção do país foi a noção de que ele teria que nascer dentro de um Parlamento. O primeiro passo foi a convocação de uma Assembléia Constituinte. Era o ano de 1823. Concretizava-se a idéia da representação para legitimar a monarquia.
O barro de trabalho do momento eram duas idéias fundamentais da humanidade, o constitucionalismo e o Parlamento. Ambas tinham suas histórias mergulhadas na antiguidade, mas haviam passado pela restauração que nascera no grito da liberdade e da igualdade da revolução americana, incorporando o desejo cristão da fraternidade, sonho da revolução francesa.
Queríamos fazer no Brasil uma das primeiras Constituições escritas do mundo. Naquele princípio do século 19 só havia a Constituição americana e a Constituição francesa. Era impensável, se não fosse o gênio de José Bonifácio, que no mundo perdido e desconhecido da América do Sul se começasse um país pela Constituição.
Assim, o nosso Parlamento instala-se na Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Parlamento carrega consigo a idéia do diálogo; traduz a conquista do direito de falar, de dar sua opinião: e o nosso refletia naquela casa de opinião e diálogo a idéia do Estado moderno, que é soberano por ser o resultado de um pacto social, por pressupor o equilíbrio entre o poder do cidadão e o poder da sociedade.
Nada existia. Só a idéia difusa e sonhadora do Brasil e o imperador. E dizia o mesmo José Bonifácio: ''Aqui neste recinto só entrará o imperador. Ninguém mais pode entrar, nem os ministros nem ninguém.'' E Dom Pedro põe a coroa e o cetro de lado na sessão de abertura do Parlamento brasileiro.
Aqueles homens traziam a alma impregnada das mais generosas idéias. Umas eram universais, e assim discutiam-se liberdade de imprensa quando não existia a imprensa, os predicamentos da magistratura quando não tínhamos magistratura, que ninguém poderia ser preso senão em flagrante delito quando o canhão estava à porta.
Muitas idéias eram só nossas, e com uma delas construímos um país diferente: a idéia da unidade nacional, de que éramos um só país. Não sabíamos onde eram as fronteiras, onde começava nem acabava. No continente de Bolívar, cujos países estavam construídos nos campos de batalha, fazíamos uma construção civil.
Nas memórias apresentadas à Constituinte, a idéia do bem comum é o problema dominante. Tudo se pensava: a mudança da capital, a fixação de nossos limites, a defesa do meio ambiente, a reforma agrária, a implantação da educação pública, o direito dos negros e índios, eram centro de atenção do parlamento. Todo Estado é um edifício em construção, em que os problemas se renovam e reapresentam com as transformações da sociedade de que ele é o agente.
Muito se critica o Parlamento. Mas não houve até hoje instituição maior e mais importante, na democracia, como idéia fundamental do Ocidente, do que o Parlamento. É um lugar em que o povo pode questionar todos os seus problemas, e pode até questionar o próprio Parlamento.
O Parlamento brasileiro fez 180 anos. É o segundo mais antigo da América,
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro -RJ) em 14/11/2003