Rio de Janeiro, 2 de junho - O presidencialismo é uma invenção americana. Segundo Harold Laski, não deveria nunca sair dos Estados Unidos. Não se realizaria. Teve, enquanto viveu, muita razão, o ilustre ensaísta inglês.
No Império do Brasil floresceu o parlamentarismo, completado pelo Poder Moderador, atribuição constitucional exclusiva do imperador. Foi uma nação governada o Império do Brasil. Passaram pelo poder executivo os Liberais e os Conservadores, em número equilibrado de vezes. Na República foi adotado o presidencialismo por influência de Rui Barbosa, cabeça pensante da época e um dos membros do governo provisório.
Sabemos todos que nos interessamos pelo regime e pelo que fazem seus titulares, que a República tem sido um chorrilho de crises, para as quais parece não haver paradeiro. Entra presidente e sai presidente, e as crises estão manifestas no período dos respectivos mandatos.
Não preciso fazer citações detalhadas. Quem quiser mais vá ao meu livro A crise da república presidencial . Tem tudo, desde Deodoro até Fernando Henrique. Com Lula temos tido a presença da crise nas corrupções em série, que invadem a mídia todos os dias, a exemplo da CPI dos Correios, cuja utilidade estranhamente o presidente Lula quer torpedear e deverá torpedear, a menos que a Câmara dos Deputados feche questão e inicie as investigações.
Provavelmente, tem origem nas crises do presidencialismo a obstinação do presidente Lula em invalidar a CPI dos Correios, embora se encontre numa delicada situação, até mesmo para sua ambição de segundo mandato. Mas, na verdade, o presidente Lula parece ausente de suas funções, dando razão ao industrial Antônio Ermírio de Moraes, que o aconselha a viajar menos e trabalhar mais.
Efetivamente, não se viu ainda no governo do Brasil mandatário que trabalhasse pouco e viajasse tanto quanto o atual presidente. O que o presidente Lula criou com suas ausências foi uma espécie anômala de parlamentarismo, uma forma excêntrica de governo.
Para os observadores da política federal quem, de fato, governa é o todo poderoso José Dirceu, que faz o que deseja no exercício de suas funções, especialmente escolhidas de chefe da Casa Civil. É de onde ele governa, enquanto no seu luxuoso avião Airbus da última geração Lula vai aos quatro cantos do mundo, aqui com Chávez, ali com Bush, acolá com Putin, e assim por diante.
Enquanto isso José Dirceu é o primeiro ministro do estranho parlamentarismo. Só falta o Lula, como disse De Gaulle dos presidentes parlamentaristas, que inaugure "les Chrisanteques", isto é, as exposições de fores. Dirá alguém que é bom assim, talvez uma resolução inteligente de Lula. Não digo nada apenas, como observador constato. Mas a nação não pode esperar.
É a ameaça que Lula e seus companheiros fiéis não vêem ou parecem não ver. Ou temos presidencialismo com o presidente despachando no Palácio do Planalto, ou temos o parlamentarismo, com o verdadeiro primeiro ministro.
É o que penso da fase atual do governo, que tudo parece preparar para chegar ao segundo mandato.
Diário do Comércio (São Paulo) 13/06/2005