Na data de hoje, há 220 anos, uma multidão enfurecida invadia a fortaleza da Bastilha, em Paris, libertando os poucos prisioneiros que ali se encontravam (quatro falsários, dois nobres acusados de comportamento imoral e um suspeito de assassinato), apossou-se de armas e munições e decapitou o diretor, o Marquês de Launay, cuja cabeça, espetada num pau, desfilou pela cidade, conduzida por uma exultante multidão. O 14 de julho passou a ser a data-símbolo da Revolução Francesa, um movimento que nasceu da fome, da miséria, do desespero, e do contraste entre esta situação e aquela de uma classe de ricos e nobres que, em palácios como Versalhes, gozavam a vida sem se preocupar com a massa. Maria Antonieta nunca disse, a propósito dos famintos, que, se não tinham pão, poderiam comer bolos; mas não por acaso a frase lhe foi atribuída: correspondia a um tipo de alienação que ultrapassava qualquer limite de sensatez.
Sensata, a revolução não foi. Não era de esperar que o fosse, mas o que aconteceu ultrapassou qualquer expectativa. O regime do Terror decapitou milhares de cabeças, graças à máquina do doutor Guillotin (não sei se hoje alguém consultaria esse médico), incluindo as cabeças coroadas, mas também a de gênios como Antoine Lavoisier – cerca de 17 mil executados: uma canaleta teve de ser construída para conduzir o sangue que jorrava da máquina. Em 1804, Napoleão coroava-se imperador, restabelecendo, pois, a monarquia.
A Revolução Francesa estabeleceu um modelo. Em 1917, os bolcheviques derrubavam o governo tzarista na Rússia, e Lenin anunciava o nascimento de uma nova sociedade. Um sonho que Stalin se encarregou de sepultar: os campos de concentração transformaram-se numa versão mais sutil, mas nem por isso menos sinistra, do terror revolucionário francês. Com a queda do Muro de Berlim sumiu o comunismo e apareceu a máfia russa, herdeira dos corruptos e espertalhões que, no governo da finada URSS, haviam aprendido a se beneficiar da situação.
Revolução é, como sabemos, um termo vago, que pode se aplicar inclusive a golpes militares e à tomada do poder por caudillhos. Mas a Revolução Francesa e a Revolução Russa realmente correspondiam à intenção, inspirada inclusive por ideais generosos, de uma mudança profunda da situação social. Pergunta: será que revoluções estão condenadas ao fracasso? Será que elas contêm em si próprias o germe da autodestruição?
Não. Bem ou mal, revoluções cumprem um papel. As revoluções servem para advertir àqueles que têm poder, riqueza e/ou inteligência de que as coisas precisam mudar. Não é todo mundo que se dá conta disso. O Brasil teve escravidão durante muitos séculos e os donos de escravos achavam aquilo perfeitamente natural. Durante muito tempo o regime de trabalho – para homens, mulheres e crianças – era de 14 horas diárias, e os donos de indústria achavam aquilo perfeitamente natural. Durante muito tempo mulheres não puderam votar, e políticos achavam aquilo perfeitamente natural. Mas a possibilidade de revolução, de virada de mesa, serve como advertência e inspira pensamentos como aquele “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, do governador mineiro Antonio Carlos. Entregar os anéis para não perder os dedos (ou a cabeça) pode ser uma troca vantajosa.
Zero Hora, 14/7/2009