RIO DE JANEIRO - Durante os dois governos de FHC, surgiram uns espécimes estranhos, sobretudo na mídia, que se transformaram em panfletários a favor de tudo o que acontecia naqueles tempos não muito diferentes dos atuais. A diferença é simples: eram escondidos -ou blindados, como hoje se diz.
Uma CPI de iniciativa do governo, como a que se pretende instalar para apurar o escândalo dos cartões corporativos, será um órgão natimorto, além de inútil em termos de moralidade pública. Um panfleto a favor do governo, que teria recursos legais para apurar e para punir os culpados.
Foi brilhante -mas cínica- a decisão da base governista no Congresso de melar a CPI que a oposição tardou em propor. Afinal, em que consiste uma apuração em nível de CPI? Ela pedirá informações, ouvirá depoimentos, levantará um painel de irregularidades cometidas por quem? Pelo próprio governo, que tem todos os elementos funcionais e legais para saber o que se passa nas entranhas da administração pública.
O próprio governo será o informante principal, na verdade, o único, que tentará esclarecer os abusos dos cartões corporativos. Entregará à sanha de seus adversários aqueles que, por um motivo ou por outro, não mais merecem ser defendidos. Mas o núcleo do escândalo permanecerá inatingível. Não estou me referindo à pessoa do presidente da República, que, mais uma vez, fará a declaração de que não sabia de nada. E, neste caso, talvez esteja dizendo a verdade.
O erro, ou melhor, o crime, é fruto de uma mentalidade perversa que faz dos detentores eventuais do poder uma classe à qual nada poderá ser negado. Todo o escândalo dos cartões pode ser revelado e castigado pelos próprios órgãos do Executivo, que dispõem de todos os elementos para isso.
Folha de S. Paulo (SP) 14/2/2008