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Palpite infeliz da ministra

 

Entre tantas falsas imagens que nos cercam nesta labiríntica sala de espelhos do Brasil atual, dá vontade de entregar os pontos e chorar, já que tanta gente parece bater palmas e preferir a solução de avestruz.

Ficamos perplexos diante da barbárie e selvageria crescentes da violência urbana em todas as suas formas, da violência contra a mulher, da violência cheia de ódio no convívio social enraivecido. Às vezes se revestem de aparência política — na truculência das redes sociais, nos ataques a ônibus de petistas na campanha eleitoral, no atentado contra Bolsonaro, no assassinato de Marielle e Anderson. Outras vezes expõem sua gratuidade sem disfarces — nos espancamentos e assassinatos de mulheres, nos assaltos e latrocínios em nossas ruas, nas chacinas na periferia, ou nesse inconcebível massacre na escola em Suzano. Todos com o traço que nos marca desde a colonização e a escravidão — o da força bruta contra o fraco e desprotegido.

Mesmo querendo resgatar mártires e heróis esquecidos, cumpre reconhecer que, historicamente, nossa violência não se caracterizou pela resistência inteligente e organizada, como a dos vietcongues contra os invasores. Em geral, ao dar vazão à revolta, nossa valentia prefere esperar pela vítima indefesa.

Nesse quadro, é um acinte o que disse a ministra Damares. A barbaridade contra a mulher no Brasil não tem como causa o desejo de igualdade de gênero. Mulher não apanha ou é morta a toda hora entre nós por querer ser igual a homem e, portanto, se apresentar como alvo. Ninguém em plena saúde mental, ao defender a igualdade de direitos entre seres humanos, almeja uma sociedade de clones, iguais uns aos outros. Luta-se para conquistar respeito.

No inferno da violência doméstica, a autonomia econômica é fundamental para escapar a quem tem mais força física. Trabalho com remuneração digna deixa menos vulnerável. A ministra quer ajudar? Garanta o essencial, na sua esfera: ótimas creches em todo canto. O resto é palpite infeliz.

O Globo, 18/03/2019