Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Palpite infeliz

Palpite infeliz

 

O título do samba de Noel Rosa parece que se aplica com muita propriedade ao noticiário que dá conta da intenção do governo de transferir a sede da Escola Superior de Guerra para Brasília. Mais essa, agora?


O Rio de Janeiro foi naturalmente esvaziado quando deixou de ser a capital política do país. Era esperado. O que se imaginava também – e aconteceu – foi a preservação do estado como centro cultural de primeira ordem e, significativamente, a manutenção aqui, desde o Império, das maiores instituições científicas, muitas das quais criadas após a chegada de D. João VI ao Brasil.


Tem mais, o que talvez fosse desnecessário proclamar, não fora o boato de que se está tentando a transferência da ESG, que tem mais de 50 anos de sede no Rio. O argumento de que assim a escola de altos estudos ficaria mais perto do centro do poder é muito precário. O poder nacional não é constituído somente pelos ministérios e alguns outros órgãos públicos. Aprende-se no Manual da ESG (fiz o curso pleno em 1976) que a economia é igualmente essencial para o fortalecimento do poder nacional.


Ninguém duvida que São Paulo tenha o predomínio econômico entre os estados brasileiros, mas o Rio de Janeiro está em honroso segundo lugar, com um pormenor que muita gente boa não percebe. Das cinco maiores empresas brasileiras, quatro delas situam-se no Rio de Janeiro: Petrobras, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional e Br/Oi, esta em fase de implantação. Para que se tenha idéia do relevo desse ranking, a quinta empresa é o Grupo Gerdau, que tem sede no Rio Grande do Sul, mas com poderosas instalações também no Rio.


Fora isso, é preciso deixar claro que o Rio de Janeiro é um grande pólo de atração turística. Quando os estagiários saem dos seus estados para passar 11 meses na nossa cidade, nas magníficas instalações do campus da Urca, eles sabem adicionalmente que vão usufruir de uma cidade com inúmeros e elogiáveis atrativos, como acaba de reconhecer o presidente francês Nikolas Sarkozy. Colocar isso tudo de lado, desmontar uma estrutura sólida e tentar construir uma outra em Brasília, com toda a sua reconhecida precariedade, inclusive de recursos humanos, é uma idéia que não tem argumentação convincente. Existe também a questão da moradia, com uma queixa generalizada. Onde serão alojados os 120 estagiários anuais?


Para se ter noção da impropriedade dessa proposta, pode-se ainda raciocinar com a comparação entre o mundo universitário das duas cidades, que fornecem palestrantes e orientadores para os cursos e seminários oferecidos. O curso de economia da PUC/RJ é reconhecido como o nº 1 do Brasil. O mesmo pode ser dito do curso de administração do Ibmec, além de inúmeras outras áreas aquinhoadas com o padrão de excelência encontrado na UFRJ, na Uerj e na UFF. Ainda se pode considerar que São Paulo fica a 35 minutos de avião do Rio. Brasília é bem mais longe. Há problemas mais sérios a enfrentar do que promover essa mudança descabida. A menos que tenham descoberto petróleo em camadas de pré-sal em Brasília.


Jornal do Brasil (RJ) 04/01/2009

Jornal do Brasil (RJ), 04/01/2009