Sérgio Correa da Costa, da Academia Brasileira de Letras, é não apenas um grande diplomata brasileiro, mas ensaísta e historiador de grandes méritos. O seu livro "Palavras sem fronteiras", primeiro lançado com muito sucesso na França, chegou ao mercado brasileiro, destinando-se a uma bonita carreira. Resultado de uma pesquisa pioneira de dois anos, pode ser apreciado pelo que tem de utilidade e também de surpresas que fazem parte do seu conteúdo. Uma delas é o predomínio do francês sobre o inglês, nas palavras comuns a dois dos idiomas mais falados no mundo; a outra é a colocação do latim em terceiro lugar, sem contar as expressões próprias do direito. É assim que surge a expressão habeas corpus e até o habeas data, hoje na Constituição brasileira.
São 16 mil exemplos citados, o que levou o escritor francês Maurice Druon a considerar a obra "um regalo para o espírito". Você sabia que ombudsman é palavra sueca e robot uma palavra checa? Fiquei intrigado com a presença brasileira nesse trabalho. O autor, que vive em Paris, sem perder suas sólidas raízes nacionais, até porque é neto do poeta maranhense Raimundo Correa, chama a atenção para as palavras que são referidas no exterior e que são brasileiras: piranha, caju, mandioca, pirarucu (oriundas do tupi-guarani) e banana e inhame, que provêm do bantu africano. Não são muitas as que foram universalizadas, mas estamos presentes de alguma forma no vocabulário universal.
Sérgio Correa da Costa, como ele próprio afirma, com as antenas em permanente estado de alerta, resolveu observar na imprensa anglo-saxã o recurso freqüente a expressões e palavras francesas. Concluiu que elas eram a comprovação da ausência de equivalentes locais satisfatórios. Começou a colecionar exemplos de palavras "sem fronteiras", talvez com a intenção de mostrar a força da francofonia. Se expressões como fin de siècle ou déjà vu são repetidas através do mundo, por que não avançar na pesquisa, procurando quantificar objetivamente a influência de algumas línguas? Tivemos também fast food, baby sitter, rock, hooligan, skinhead, etc.
Um fato que surpreendeu, na análise desses termos, é que as locuções e expressões francesas são as que têm a ver com as nuances do pensamento, com estados d'alma ou julgamentos subjetivos. O francês se afirmou como fonte principal do abstrato, enquanto o inglês predominou no domínio dos negócios ou quando se trata de registrar a avalanche de termos da Informática. Há uma visível marca de presença mais significativa das línguas latinas no processo, se considerarmos o latim, o francês, o italiano, o espanhol e o português, que hoje são faladas por quase 800 milhões de pessoas, total que deverá chegar a 1 bilhão nas primeiras décadas do terceiro milênio.
Em conseqüência desse trabalho, objeto do excelente livro "Palavras sem fronteiras", o Instituto de França concedeu-lhe o Grande Prêmio Literário, que é uma láurea de grande importância, como reconhecimento do valor da obra, que, de certa forma, demonstra não ser verdade que o francês esteja em declínio. Ao contrário, amplia a sua influência global, com tudo o que representa a sua cultura.
Jornal de Letras, nº 20