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País decente, nação injusta

 

O 1% de menos para a vitória do presidente no primeiro turno pode ir à história como a perda decisiva da opção da mudança e de seu acesso pelo Brasil de fora. O país não sai apenas rachado do 1º de outubro. Expõe-se à tragédia, sem volta, do surto do moralismo político, como instrumento do status quo, em toda a força do seu comando mediático da opinião pública.


 


O "povo de Lula" manteve-se imune ao mensalão e aos sanguessugas, movido pela mobilização política inédita e profunda que levou à tranqüila certeza do ganho petista no primeiro turno. Não a atingiria, ainda, o escusar-se o presidente da investida maciça dos adversários, no debate da TV Globo. A distância eleitoral, àqueles dias, autorizaria o gesto, ainda que tivesse podido tirar partido do enfrentamento programado das oposições coligadas no vídeo, chochas ou frenéticas.


 


Lula teria subestimado não a sua gente, mas aquela franja da classe média que votou no petista em 2002, mais por um país decente do que pela efetiva melhoria do país dos desmunidos e da injustiça sem volta. Na franja da última oscilação - em pleito de abstenção menor e de menos votos nulos que o de 2002 - a mudança de voto se determinou pela exasperação do denuncismo, passado ao soco da imagem do pacote de dólares, trazido, à véspera, a todas as primeiras páginas da grande mídia.


 


A foto desbordava, em meio à apuração na delegacia, jogando sobre a saturação do eleitorado "a mais" de Lula, que não se dava conta do inédito desta autonomia da ação policial assegurada pelo governo, frente aos poderes, seus sistemas, seus silêncios. Este eleitorado trocava de voto, no não a Lula, mais que na adesão a Alckmin, chegando à patética ausência de projetos, até as últimas horas da campanha.


 


Dos escândalos saiu um PT contaminado pela tentação, praticamente invencível, da cosanostra. Castigo de todo subdesenvolvimento, diante do qual não há partidos diferentes. Lula emerge do primeiro turno só com os votos do seu povo. Mais não perde, daqui para diante. E a volta às urnas, agora, tem um teor de plebiscito entre manter-se ou dissipar-se uma consciência de mudança para o país de fora, de vez tocado pela saída da marginalidade.


 


O presidente, a 1º de outubro, quasissimamente chegou lá. O infinitésimo da vitória perde-se ou ganha-se no travo dos impulsos frustros à última hora, da reflexão sobre o amuo do instante, voltando-se atrás, ou da resistência em mudar-se de novo de voto. E o presidente se expõe à nova máquina eleitoral dos governadores tucanos, nos dois Estados-chave da União.


 


O sucesso contundente no Norte e Nordeste é o do avanço da consciência do país dos destituídos, ungido agora à sua mobilização limite. O povo dos 48,6% ganha ou dissolve-se, frente ao país de sempre, seus reformismos, sua ciranda do mesmo. À diferença responde Lula, apesar de Lula.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 04/10/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 04/10/2006