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Oscar segue Dante

 

Antes de nos deixar, esta semana, terminou Oscar Dias Corrêa a descrição de sua viagem com Dante, ao longo de versos e de rimas, sobre o chão mesmo da poesia que ilumina as palavras, suas letras, seus vazios, suas pausas. A escolha de Dante para companheiro de viagem marca o homem que a faz, com uma clarividência rara e luminosa.


Uma semana antes me havia ele pedido que falasse sobre o livro em sessão na Academia ou na hora do lançamento de seu livro na Casa de Machado de Assis. É o que faço agora e aqui, aparentemente sem a sua presença, mas certamente com ela pois suas palavras, seus diálogos com o poeta, com Beatriz, com Virgílio, mantêm-no conosco.


De certa maneira Oscar parte, como Dante e com Dante, do meio do caminho de uma vida para narrar a história das gentes e do mundo, em busca do Paraíso e, por ser bom o Paraíso, foge da tragédia para dizer-se Comédia, e Comédia fica para todo o sempre.


O caminho engloba também feras, a loba, o leão, a pantera. Mas também outros poetas se aproximam de Virgílio, e são Homero, Ovídio, Horácio e Lucano.


O que Oscar Dias Corrêa faz então é levantar nosso passado, um passado feito de palavras, como se todos os versos de antigamente houvessem ficado presos aos da "Divina Comédia", que resumiria os versos da Grécia e de Roma, numa linha de domínio da linguagem que o analista e viajante de agora recolhe num livro para nosso uso, que muito precisamos dessa renovação e dessas raízes.


Na realidade, busca-se Deus. Ficamos, os poetas e nós, muitas vezes perdidos: onde está ele? Onde está esse que todos os evangelhos nos apresentam como salvador, capaz de nos levar a um entendimento claro e limpo do que é a vida e, pior ainda, ou melhor, do que vem a ser realmente a morte?


A decadência das formas e dos símbolos, a decadência geral de tudo o que o homem toca - eis o que preocupa Dante: tudo o que tinha sido bom de repente cai e desaparece, e Oscar, o autor de agora, percebe o esvaziamento da política, o fogo destruindo o rio e afastando para sempre o sonho de um império universal, e o de uma paz universal. Na realidade, vivemos todos em fila.


As grandes civilizações fazem fila antes de quedas que se transformarão em novos países e reinados. No caminho, há várias fossas. Na primeira fossa estão os sedutores; na segunda, os aduladores; na terceira, os simoníacos, isto é, os que mercadejam, os que tiram vantagens das coisas nobres, os que vendem objetos sagrados, retirados de igrejas.


E Oscar esclarece: "Os simoníacos vêm de Simão, o mago, que, como é narrado no Ato dos Apóstolos, oferece dinheiro a São Pedro para obter os dons do Espírito Santo."


Em outra fossa estão os trapaceiros e prevaricadores, isto é, os corruptos que, em qualquer governo, roubam o povo e o erário público. Na última fossa estão os falsários, não só de moedas, mas também os falsários da bondade humana, da solidariedade entre os iguais.


O poeta percorre lugares que mantêm vivo tudo o que existiu, em memórias de crimes e mal feitos de que andam cheios os mundos, tanto o mundo visível de agora como o que virá depois do julgamento.


Assim, "enquanto caminhavam, o Centauro mostra Alexandre, O Grande, rei de Macedônia; Dionísio, tirano de Siracusa, que fez a Sicília viver anos dolorosos; o negro Azzolin, tirano de Pádua; o louro é Obizo II, d'Este, marquês de Ferrara, que teria sido morto pelo filho ilegítimo, que o sufocou no leito.


O guia mostra ainda ao poeta dizendo quem é Arrigo, irmão de Eduardo I, da Inglaterra, morto por Guido de Monforte, em Viterbo, em 1272. "Assim, tudo se mostra, nada se esconde. Os que são contra Deus, a natureza e a arte recebem também sua punição.


Os que destruíram obras de arte, os que derrubaram árvores e secaram lagos, cuja má estirpe não foi ainda eliminada, recebiam chuvas de fogo do poeta em sua caminhada, que denuncia os que ainda hoje destroem florestas e não lutam pela preservação da luminosa fonte de água que desce do morro, em trechos do poema que mostram a contemporaneidade de Dante.


A longa viagem, que Dante promove, mostrando as fraquezas humanas, os pecados de cada um e de todos, num poema que abre caminhos e cria horizontes, torna-se agora para nós uma obra vista por Oscar Dias Corrêa como verdadeira história do homem, de suas fraquezas, de seus avanços, de seus silêncios e de sua persistência em continuar, apesar de tudo, na luta seja o que for que esteja na frente.


Oscar Dias Corrêa deixou-nos, com esse livro, a sua herança humanística, nessa viagem que ficará conosco, símbolo do "amor que move o sol e outras estrelas".


"Viagem com Dante", de Oscar Dias Corrêa, é um lançamento da Topbooks. Ilustração de capa: "Dante olha fixamente Beatriz", de Gustave Doré. Apresentação de Ivan Junqueira. Orelha de Antonio Carlos Secchin.




Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 06/12/2005

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 06/12/2005