Não temos precedentes de certezas tão tranquilas de derrota, quanto as que se pronunciaram, neste último biênio, em situações limites como a da Espanha e, agora, da França. O governo de Zapatero escolheu como candidato um bode expiatório, certo da derrota, como a própria condição de sobrevivência do Partido Socialista Espanhol a largo prazo. Os números devastadores do desemprego, a mostrar a profundidade da crise de 2008, não deixavam nenhuma ilusão quanto às esperanças das esquerdas, então no poder. De toda a forma, a fragmentação dos resultados locais, especialmente na Catalunha, não deu ao governo Pujol a visão de uma maioria nítida e, sobretudo, a de uma mobilização conservadora. Desaparecia toda programática, diante de um mal-estar difuso do país, roído pela crise, mas, especialmente, pela ambiguidade ou mesmo pelas contradições das fórmulas saídas da crise, num anticlímax que perdura após a derrota das esquerdas espanholas.
O que mais marca a demissão histórica do governo de Madri é que poderá gozar, ainda, de uma flexibilidade tributária, para a intervenção pública, cancelada pelos pressupostos do status quo chegado ao poder.
A Espanha seria, ainda, o único caso de escape à dilaceração final das esquerdas hoje, diante dos impasses estruturais de governo no ocidente europeu. Chegaram à saturação fiscal, à irregenerabilidade do investimento público, sem romper os círculos viciosos do capitalismo pós-2008.
É essa mesma sensação que leva, hoje, e exatamente no extremo oposto, ao conformismo com a da derrota de Sarkozy nas próximas eleições de abril.
Começa o tartamudeio do próprio presidente, no impacto das previsões eleitorais, beneficiando o candidato socialista François de Hollande. Não há claramente programa econômico de recuperação à direita, e é melancólico que Sarkozy possa fazer apelo à defesa dos "valores franceses", no eixo da sua futura pregação. Mas o pódio do favorito continua vazio, na hesitação de antecipar os castigos econômicos da recuperação, que não poderá fugir a um programa fiscal drástico que, de vez, penalize o capital financeiro do país.
Muito da inesperada campanha de Merkel por Sarkozy resulta dessa confrontação imediata, em que a sobrevivência das esquerdas dependerá do ataque no cerne do próprio modelo econômico em que se mantém a equação produtiva do ocidente. Hollande é um herdeiro longínquo de León Blum, muito mais do que de Mitterrand ou Jospin. Mas, não há outro país europeu, em que uma consciência social garanta, de fato, militância política e a virada de página como a da França, agora no chamado crítico das urnas.
Jornal do Commercio (RJ), 2/3/2012