Leitores me perguntam o que eu penso sobre a abertura dos arquivos secretos ou sigilosos do Estado. Sou a favor da abertura, de todas as aberturas e de nenhuma fechadura, a não ser a própria, aquela que botamos nas portas e que fecha e dura. O acesso aos papéis higienicamente guardados pelos sucessivos governos servirão aos historiadores e a um ou outro interessado pessoal. Quando abriram os habeas-data nos Dops da vida, o que apareceu de besteira não foi mole. Um amigo ficou sabendo que havia deflorado a própria mãe. O agente que registrou o grave e assombroso incidente usou o verbo "deflorar", que significa tirar a virgindade de uma mulher. No caso dos arquivos, por motivos legais e afetivos, é urgente e necessário saber o destino dos mortos e desaparecidos, por que, quando e como morreram ou desapareceram. É uma crueldade do Estado manter esse sigilo. Já bastam os ossos de Dana de Teffé, que ninguém até hoje sabe onde estão. Um país decente não pode guardar sua história nos porões de qualquer Estado ou de qualquer regime. Quem faz a nação é o povo, e não o Estado, muito menos o regime.
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O cronista estará ausente por uns dias. Passarei o Natal com minha filha, que mora em Roma, ela não agüentou a barra aqui do Rio.
Faz frio na Cidade Eterna, um frio raro por lá, mas não choreis sobre mim e sobre meus pecados. Estarei, como diria Machado de Assis, "ao pé" da lareira, como num conto de Dickens. Lareira que queimará o lenho perfumado dos pinheiros de Roma, pinheiros imortalizados por Ottorino Respighi, os mesmos que deram sombra a César e Brutus, a Cícero e Catilina. E, como ninguém é de ferro, tomando os bons vinhos que alegram o coração, o olhar e o gesto.
Folha de São Paulo (São Paulo) 15/12/2004