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Os Olhos de Gaza

 

Meu primeiro contato com Gaza data do meu tempo da Faculdade de Direito no Maranhão, onde me diplomei. Estava naqueles anos em que queria conhecer os grandes livros e caiu-me na mão um best seller de então, Sem Olhos em Gaza, de Aldous Huxley. O título vem da epígrafe, um verso de Milton que diz ter Sansão, capturado e cego pelos Filisteus, ido trabalhar em Gaza, em condições de tortura. Huxley escrevera um romance em que um sibarita se desiludia com a sociedade dissoluta. Gaza teve um destino cruel como cidade: com dezessete mil anos de existência, sofreu ocupações, destruições e alternou períodos de paz e de guerra. Cresceu e encolheu e cresceu e encolheu.

Seu nome se perde no tempo, em variações do cananeu Gazza, do hebraico Azza, em egípcio Ghazzat, forte ou preciosa. Foi egípcia, cananeia, filistina — origem do nome Palestina —, israelita, assíria, persa, grega, romana, árabe, cruzada, mameluca, otomana, inglesa. Seu povo vive a memória sedimentada de muitas atrocidades e agora a História lhe guardou mais uma. Assim, nós, hoje, que assistimos em tempo real às crueldades que ali se praticam, podemos avaliar o que aconteceu quando sofreram, a cada conquista, o horror de ficar em ruínas. Agora estamos no mundo inteiro esperando a merecida reação de Israel, covardemente agredida e sofrendo grande perda de vidas. É preciso deter o terrorismo monstruoso do Hamas, mas não é justa a matemática de que os civis mortos de Israel devam ser multiplicados numa progressão geométrica por civis mortos palestinos. Responsabilidade maior cabe agora às potências e aos países que foram solidários com os israelenses de evitar que esta guerra siga os maus exemplos das intervenções coletivas. O do Iraque, onde o conflito teve o efeito bumerangue de entregar o poder à intolerância dos xiitas, que combatiam Sadam Hussain e agora comemoram sua desgraça. O do Afeganistão, onde as ondas de invasão, nos últimos duzentos anos, de ingleses, russos, buscando uma saída para o Mediterrâneo, americanos, destruir o Taliban, sofreram todas derrotas vergonhosas. Os Estados Unidos tiveram ali um novo Vietnam, lembrança que até hoje nos choca da multidão tentando pegar os helicópteros de fuga e das meninas queimando nas estradas — hoje escrevem livros sobre os seus sofrimentos.

O Papa Francisco, que não tem tido receio de condenar essa incompreensível violência, pede com a sua autoridade moral e religiosa que as nações se unam em todo o Mundo, que arregimentem apoios para exigir que a paz seja encontrada e que o ódio desapareça, encerrando os terríveis confrontos que nos enchem o coração de dor. Juntemos nossas vontades e nossas orações às orações do Santo Padre para que a consciência mundial desperte e nós possamos, atendendo ao grito de revolta do Papa, gritar: — paz na terra aos homens de boa vontade!

Imirante, 31/10/2023