A não ser pelo sofrido distanciamento dos netos e as visitas aos amigos, que foram totalmente canceladas, Mary e eu não temos do que nos queixar do confinamento, pelo menos em comparação com o que estão sofrendo a cidade, o país e o mundo. A rotina de permanência em casa continua mais ou menos a mesma, com os devidos cuidados de higiene exigidos pelos novos tempos.
O pior é o que vem de fora: as notícias sobre os avanços do flagelo, o diário das mortes, a disputa de números que na realidade significam corpos, ou seja, pessoas. Há o risco de anestesia pela repetição, o perigo de daqui a pouco a gente achar natural essa maratona mórbida.
Ao contrário do presidente Bolsonaro, que considera o coronavírus uma “gripezinha” que está indo embora, a Organização Mundial da Saúde calcula que a pandemia está se acelerando a uma “taxa exponencial”. O diretor da OMS acha que, sem uma ação agressiva geral, “milhões podem morrer infectados, além dos 20 mil que já morreram”. Ontem, calculava-se que o Brasil tinha mais de 300 mil infectados. A certeza é que amanhã serão mais.
Como somos um dos países que menos realizam testes, os cientistas e pesquisadores estimam que, se fosse considerado o número de casos subnotificados, estaríamos em segundo lugar, atrás apenas dos EUA.
Diante das precárias condições de atendimento — a rede hospitalar à beira do colapso, como em São Paulo e no Amazonas, por exemplo —, os profissionais da saúde surgem como verdadeiros heróis dessa batalha contra um inimigo poderoso e invisível.
Há dois grupos a destacar: os que estão na linha de frente arriscando a sua saúde — médicos, enfermeiros, técnicos, motoristas de ambulância — e os especialistas que, em boa hora, foram lembrados e se dispuseram a complementar a cobertura dos jornalistas, fornecendo a estes e ao público em geral explicação, orientação e, principalmente, tradução de termos e conceitos técnicos. Graças a essa contribuição, o coronavírus foi dissecado com rara competência técnica.