O Doutor Bumbum e a Paty Bumbum não foram os primeiros e nem serão os últimos a aplicar o velho e popular conto do vigário. A expressão caiu em desuso; mas a prática, não, como prova a intensa atividade de ilícitos do médico Denis Furtado e da falsa médica Patricia Silvia dos Santos, agora presos. Ele alega em sua defesa já ter realizado nove mil operações, e ela informa que vem exercendo a medicina assim, ilegalmente, há 13 anos. Quer dizer: se não tivesse havido morte com denúncia, eles provavelmente continuariam agindo impunemente.
A novidade é que as vítimas do golpe hoje não são as pessoas de boa-fé, mas aquelas que estão dispostas a se submeter a riscos e sacrifícios físicos em busca do corpo perfeito. Segundo o professor Francisco Ortega, estudioso do fenômeno médico-fisicalista, “não podendo mudar o mundo, tentamos mudar o corpo, o único espaço que restou à utopia”. Seriam as utopias corporais substituindo as sociais.
Essa “ideologia” do corpo sarado, siliconado, cria a obsessão por intervenções como body-building, cutting, tatuagem e piercing — na língua, no nariz, no bico dos seios e até em lugares recônditos da mulher e do homem. A mais radical dessas mudanças consiste nas cirurgias plásticas, que, feitas sem rigor, sem critério e sem competência, podem ser letais, como nos casos em que estão envolvidos os dois “Doutores Bumbuns”, enrolados nas suas contradições. Ele não conseguiu até agora explicar a morte da bancária Lilian Calixto, que fizera um preenchimento nos glúteos com ele. Suas versões têm sido desmentidas uma atrás da outra por depoimento de testemunhas. Quanto a ela, diz a delegada Daniela Terra sobre a batida dada em sua casa: “Estava exercendo ilegalmente a medicina, aplicando silicone industrial em diversas pessoas sem o menor cuidado. Não havia maca, não havia nada. Sem a menor higiene”. A falsa médica é também debochada e assim se referiu nas redes sociais à morte da bancária: “Pelo menos a gente morre fazendo aquilo que a gente quer e não morre feia!”.
Os Doutores Bumbuns são remanescentes do fenômeno em que o “vigário” sumiu da história, mas deixou os termos derivados vigarice e vigaristas, personagens que hoje frequentam vários setores da sociedade. Aliás, este ano eles vão proliferar na campanha eleitoral. É a época das promessas que não serão cumpridas, uma forma de contos em que em lugar dos vigários surgem os políticos.
Há exemplos históricos, como o do “caçador de marajás”, mas há outros mais recentes, como o daquele prefeito que prometeu não misturar religião e política, e não faz outra coisa.