Quando chamado ao auditório do Colégio Estadual de São Fidélis, que funciona num antigo prédio da CNEC (saudades do professor Felipe Tiago Gomes), a primeira impressão foi de surpresa. Estava cheio de alunos e professores da região, por obra e graça da professora Fátima Panisset, coordenadora do Projeto de Incentivo à Leitura do Governo do Estado.
Minha obrigação seria falar sobre o tema "Nós e a Poesia", mas antes haveria uma série de quadros culturais, incluindo a originalíssima peça "A Preta de Neve e os Sete Grandões", toda ela produzida na própria escola. Por artifício criado pelo professor de matemática, acabei virando um dos "grandões" da história. Assumi a função diante dos 300 assistentes com muita alegria. Nessas ocasiões, é melhor aderir ao espírito geral. Houve aplausos.
Uma banda de estudantes fez a sua parte. Poetas locais apresentaram-se de forma inspirada, falando nos "bons ventos da cidade banhada pelo Paraíba". Ali a poesia é tão forte que São Fidélis hoje é considerada a "cidade poema". Disso se orgulha muito o prefeito David Loureiro, com quem pude almoçar depois, deliciando-me com as famosas lagostas locais.
Depois de falar sobre a influência da poesia na nossa cultura demonstrando como o Brasil é pródigo em talentos como Gonçalves Dias, Castro Alves, Casemiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes, discutimos as qualidades poéticas do maior dos nossos romancistas: Machado de Assis. Figura exponencial da nossa literatura, foi também um inspirado poeta, como demonstrou na homenagem prestada à sua mulher Carolina. Hoje, ele e ela estão juntos, no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, e para sempre.
Recolhi algumas preciosidades, na visita à bonita São Fidélis. E de gente bonita, com tudo perfumado, como se as rosas ali tivessem buscado a matéria-prima da sua beleza e do seu odor característico. O aluno Jean Paulo de Oliveira Souza, da 4ª série Normal, afirmou que "a pluralidade cultural está presente em todas as expressões." A sua colega Brida, do Colégio Estadual Montese, com um texto muito bem redigido, revelou sua preocupação com "o futuro dos nossos inocentes." Para dizer mais além, no trabalho premiado "A palavra", que não se pode viver sem as pétalas-palavras das rosas silenciosas do relógio mudo.
Uma homenagem ainda do aluno Marco Sabino (Marcão), que tirou o segundo lugar com a sua "Descoberta". Cheio de sensibilidade, gosta de viajar no pensamento, "com vontade de te descobrir". Até chegar a Raquel Freitas de Souza, que fala no "amor que aumenta a cada dia, mesmo não estando juntos." Para concluir que "chorar não é derramar lágrimas, mas sim pôr para fora o que dói aqui dentro."
É incrível a inspiração dessa gente e como é gostosa a revelação da competência para transmitir sentimentos que, em geral, gostamos muito de guardar como segredo inatingível.
Essas iniciativas do Governo do Estado do Rio de Janeiro, como conversei depois com o secretário Cláudio Mendonça, animam o sistema e desenvolvem em parte a auto-estima dos mestres, empolgados quando sentem a nobreza do que lhes é proposto. Caminhamos bem com o PIL (Projeto de Incentivo à Leitura) e surge no horizonte a perspectiva de um outro projeto, desta feita abordando a educação artística, que tem sofrido muito com a falta de interesse. Isso é lamentável quando se sabe que somos um povo musical, com grande sensibilidade, e que há um campo imenso para se explorar nessa área. São Fidélis, mexendo no coração, abriu os nossos olhos para esse enriquecimento da educação.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 01/11/2004