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Opinião: O ineditismo político de Renan Calheiros

 

O fato novo no desfecho do pedido de cassação de Renan Calheiros, entre tantas confirmações do esperado da subcultura política brasileira, foi a absoluta determinação do absolvido em ficar no seu posto sem nenhuma transigência.


Na rota desses 100 dias não existe um recuo, nem mesmo como sondagem, ou tentativa de compromisso. E a mesma determinação de parte do presidente do Senado persevera, agora, em não abandonar, por qualquer minuto, a sua cadeira. Entra aí, em causa, e de maneira inédita, uma vontade política sem precedentes na história dos conchavos ou dos acordos de cúpula da nossa tradição política. São múltiplas as sugestões de transação, ao longo da escalada, como agora se repetem no pedido de licença após a vitória. A decisão de Renan não só é férrea como não permite aos seus aliados avançar no último círculo da sua intimidade. O inédito é o alagoano não arredar pé e reforçar-se a cada dia pelo teor, já, desde saída, de fato consumado, com que definiu o seu canto do jogo e seu foco inflexível de iniciativa. No nascedouro da crise, Renan teria ouvido de Jader Barbalho o conselho de não abandonar o cargo, ao contrário do que fez o paraense, atingido, sem volta, em ameaça de perda da presidência.


Aconselhado ou não, o presidente do Senado fez da sua vontade irredutível um dado novo para o país do deixa-disso ou do toma- lá-dá-cá e da transigência frouxa, para aceitar os consensos da nossa morna mediania. Foi ao pagar-para-ver, a provocar a cordialidade brasileira da cultura dos arreglos contra a da maturidade cívica, e das rupturas conseqüentes, em nome de um princípio ético, ou de uma visão doutrinária arraigada, no processo político nacional. A determinação do alagoano levou ao entrever-se das últimas conseqüências, ou de sacrifícios políticos definitivos, a que não está acostumada a saineta do entra-e-sai em nosso palco legislativo. E só se atentar para a condição in extremis, em que se foi à cassação de mandato na crise do mensalão, forçado pelas simetrias dos abates de Jefferson e Dirceu, ou de confissões inequívocas de corrupção. O trunfo final que mantém o presidente do Senado no seu carteado político, depois de absolvido, e o de sua obstinação no confronto com os próprios amigos, com o Palácio ou com a política como arte da transigência.


Essa resistência do alagoano às leis normais da gravidade do poder desconcerta os cenários e lhe dá, paradoxalmente, mais força para vir ao centro do jogo. As primeiras frases após a vitória só reforçam a convicção de que avança Renan pela boa inércia do ficar onde está, a só multiplicar a certeza de que aí continua. De qualquer forma, os prós e contras a cassação escaparam às questões fechadas, salvo no tucanato, e é sobre esse amálgama frouxo que o presidente do Senado conhece tão bem, que começam do zero os acordos e intransigências, no ringue que tem um pugilista refratário, até como manha, a uma rendição de guarda.


O que viu a televisão no momento aberto da sessão, dia 12, mostrou a coloquialidade absoluta de Renan com os piores adversários, entre os carinhos nas bochechas e orelhas de seus pares. O Senado tem uma cordialidade de clube mais do que convicções, como evidenciou a sessão de voyeurismo da cassação abortada. O novo é a força dessa teimosia que sabe o que quer, faz e ameaça no ninho quente da Câmara Alta. Oposição, Palácio, partidos não desatam o jogo, nessas próximas semanas, frente à determinação inédita de quem sabe como avançar, entre ameaças e emoliências que permite o voto secreto. Tanto continua a nossa subcultura política, na passagem das clientelas aos grandes negócios do Legislativo. A última conveniência do segredo fica, de fato, como cláusula pétrea da Carta Magna.


Jornal do Brasil (RJ) 19/9/2007