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A ópera do Mercosul

 

As declarações descabidas e previsíveis de Federico Franco, presidente ad hoc do Paraguai, lembram as linhas de um frágil libreto de ópera. As personagens são sempre as mesmas, não trazem sinais de novidade, com monótono desfecho, seguido de aplauso protocolar. Em cena, a revisão dos contratos da hidrelétrica de Itaipu, a saída imaginosa do Mercosul, mediante possível – e já desmentida – consulta popular, além de poucas manobras verbais, dignas de marionetes. Como aquelas que trazem à cena antigas feridas, mal cicatrizadas, facilmente manipuláveis, conforme a visão de certa elite paraguaia, que se considera vítima de seus vizinhos, como se não fosse ela própria responsável pelo desenho de uma democracia  mais densa e consistente.

Não resta dúvida que o processo de impeachment do presidente Lugo no Senado não passou de um rito sumário, restrito a um formalismo processual vazio, cerceando o amplo direito de defesa, tão pressuroso e cenográfico se mostrou. Por outro lado, a diplomacia brasileira agiu de última hora, num script secundário, no meio do segundo ato, “levada” por um colegiado, que já havia decidido a entrada da Venezuela para o Mercosul, com a mesma velocidade dos senadores paraguaios, ao destituírem  Fernando Lugo.

Erros de todas as partes. E que se prolongam em artigos publicados neste hemisfério sul, muitos dos quais injustos ou injuriosos, povoados pelos mesmos clichês das bravatas de Federico Franco.

Quem sabe a ópera não avança para um terceiro ato, que tenha como cenário a riqueza cultural das nações indígenas do Paraguai, longe da imagem superficial que repetimos a seu respeito. Penso em Bartolomeu Meliá, um dos maiores linguistas do continente, íntimo da língua e da religião guaranis, que atribui ao poema Ayvu Rapyta beleza igual ou superior ao prólogo do quarto evangelho. A experiência bilíngue do Paraguai – majoritária, mas não exclusivamente em espanhol e guarani –, poderia servir ao Brasil para atenuar o déficit de visibilidade, o excesso de miopia, que pesa em nossa cultura frente ao índio. Para muitos, um problema fundiário, um estranho objeto de museu. Devemos sentir falta do Policarpo Quaresma estudante – um tanto excessivo, é verdade –, mas necessário do tupi-guarani. Segundo o IBGE, temos 305 etnias e 274 línguas no Brasil, absolutamente fora das escolas, que quando muito se limitam a explicar alguns topônimos, nem sempre de forma correta ou adequada. Só assim será possível recuperar a história da integração dos povos guaranis, por exemplo, muito antes do Mercosul, que haviam criado, rasgando novos espaços e caminhos nesta parte meridional do mundo.

A ópera precisa mudar o libreto, no aprofundamento de laços culturais menos descontínuos. Seria a maneira de por fim às declarações deploráveis de certa diplomacia brasileira. E reconhecer boa parte de nossos erros. Porque, como disse Roa Bastos: “não há história verdadeira sem dados falsos”.

O Globo, 22/08/2012