Manhã dessas de domingo, decidi tomar um pouco de sol e evitei Ipanema, onde costumo encontrar conhecidos que de certa forma me atrapalham. Aproveito o sol, mas aproveito principalmente a solidão em que mergulho, lembrando coisas e esquecendo outras, remetendo-as para o lixo da memória. E há sempre o importuno que pergunta alguma coisa que eu tenho preguiça de responder ou o desinformado que me saúda pensando que ainda sou o Fernando Sabino.
Como disse, fui para Copacabana e sentei no banco onde colocaram a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade. Só que eu fiquei virado para o mar, e ele, pernas cruzadas e livro no colo, ficava de costas para a praia. Estou quieto, olhando as ondas e admirando as mulheres quando um casal de jovens se aproxima e fica olhando a estátua do poeta. Olham, olham, procuram decifrar quem é aquele homem imobilizado no bronze.
De repente, o rapaz tem um clarão e diz para a moça: "Acho que é o Renato Russo! Ouvi dizer que fizeram uma estátua para ele!".
Há um momento de dúvida no casal. Chegam mais perto, examinam melhor o rosto do poeta, sinto que desejam tirar a dúvida. A pessoa mais próxima sou eu. Timidamente, o rapaz pergunta se é mesmo Renato Russo imortalizado, ali ao meu lado.
Com gentileza rara em mim, digo que não, que não é o Renato Russo, que é o Cazuza. O Renato Russo está em Ipanema, e a praia em que estávamos era Copacabana.
Foi a vez de a moça exultar. Deu um pulinho, fez o rapaz tirar a máquina fotográfica da mochila. Olharam em torno à procura de um voluntário que lhes tirasse a foto. Fiz que não estava percebendo, mas a moça foi delicada, perguntou se eu poderia fazer o favor.
Levantei-me, os dois sentaram juntos no banco. Logo pensaram melhor e ficaram cada qual ao lado do poeta, abraçando-o. Pedi que olhassem o passarinho e bati a foto. Agradeceram e seguiram contentes. Eu voltei a olhar as ondas e as mulheres.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/04/2005