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A obsoleta paz mundial

 

O advento do ano-novo leva a novas interrogações sobre as próximas esperanças e votos de avanço da paz mundial. Perde a sua ênfase, diante do conflito, sem volta, aberto pela criação do Estado Islâmico, na ruptura irreversível de toda coexistência com seus adversários.

Depara-se, pela primeira vez na modernidade, com a absoluta falta de reconhecimento de outras coletividades, fora do seu mesmo traço identitário. E, de pronto, também desaparece o horizonte dos Estados-nação, atores históricos do último meio milênio. Vai-se, sim, aos califados, que se ampliam com a aparição dos Boko Haram, na Nigéria e Camarões, e despontam com os talibãs e os novos núcleos de ruptura do Paquistão. E não é outro o quadro que leva, também ineditamente, a uma guerra de extermínio com essa violência terminal a que ora conclama o Ocidente. O sucesso do restabelecimento das relações entre Washington e Havana marcou a superação de um retrocesso histórico, ainda herdeiro da velha Guerra Fria, em bem de uma efetiva coexistência internacional. Mas em nada aproveita essa reconciliação ao quadro levantado pelo Isis – o Estado Islâmico. A possível paz mundial dar-se-á conta, também, do não balanço entre hegemonias e dominações que representou o advento dos Brics, e, dentro deles, do papel de liderança que pode assumir o nosso país.

Entramos em 2015 frente à radicalidade fundamentalista do Isis a um jogo todo da expressão mais funda do que se reconheceria como um levante contra as identidades coletivas impostas, nos últimos séculos, pela vigência da civilização ocidental. E é nesse veio que, mesmo vencedora, a luta de Obama não deixará de enfrentar o que ora já se vê nessa disseminação do credo do Isis no próprio Ocidente e dessa mocidade europeia ou americana procurando o martírio em meio à saturação do consumismo ocidental. Não se excluirá, pois, desse futuro imediato a fermentação inédita desse clima de viradas históricas, a exigir – e, exatamente, na chamada do papa Francisco – a autocrítica no nosso presente. E a torna ao valor das crenças, em busca do mais além de um “aqui e agora”.

O que abre, de toda forma, o novo ano é o alerta para a diferença entre os votos clássicos de uma esperança vegetativa e inercial e os de uma efetiva coexistência da humanidade à nossa frente.

Jornal do Commercio (RJ), 03/02/2015