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Obama, nem erros nem surpresas

 

Neste período da transição, Obama só faz confirmar a melhor expectativa quanto ao ineditismo da sua Presidência. Não é só o sentido nitidamente colegiado das decisões quanto à futura máquina de governo, mas, sobretudo, a garantia dos muitos saltos adiante que a sua investidura traz às práticas da mera rotação de um sistema entre democratas e republicanos em Washington. É como se este arranco de fundo, do melhor da democracia americana, não parasse no aponte do eleito mas fosse mais longe nesta correção de fundo da vontade geral, que no último meio-século passou à estrita variação de um mesmo sistema, no exercício das decisões do Salão Oval.


O discurso lincolniano do último 14 de abril já consagraria Obama para a História, no fazer da sua opção política mais que uma forra racial do que reconhecimento da maturidade nova – e para ficar – na igualdade cívica de todos os americanos. A virada de página foi agora multiplicada pelo desmonte do lobby na organização do poder emergente nos Estados Unidos. Lastreara-se até hoje a certeza da transação política, que fazia da alocação das pastas de um novo governo a paga das doações às campanhas, e a constituição das equipes de poder como uma das mandatárias da dominação de sempre do poder econômico sobre o político no país.


A nova surpresa prazerosa da transição é o exaustivo inquérito das 63 questões que deve preencher qualquer nome pressentido para o Executivo, nesse novo reclamo da transparência de mando. A imposição das novas regras chegou agora ao imperativo de uma devassa à obra assistencial do ex-presidente Clinton, como condição prévia para a indicação de sua mulher à secretaria de Estado. No aponte do Executivo as escolhas chegam à sabedoria do quase óbvio, na competência do indicado e no seu reconhecimento público.


A gratidão estrita vai a poucos casos, como o do ex-senador Daschle para a Saúde, primeiro campeão da candidatura Obama. A escolha de Geithner, já de papel decisivo nas primeiras lutas contra a crise econômica na transição, fez disparar a Bolsa de Nova York. E Janet Napolitano seria a candidata inequívoca para superar o descalabro imigratório do governo Bush nas levas de chicanos, tratados como bandidos, ao buscar emprego nos Estados Unidos. Holder não está na pasta da Justiça porque é negro, mas porque teria o melhor currículo na área, e no empenho de acabar, de vez, com o escândalo da prisão de Guantánamo.


O que parece estar em causa é esta inspiração, em que a vitória de Obama quer reencontrar o compromisso histórico da nação da mudança, protagonizada por Wilson, Roosevelt, Kennedy e Clinton. Foi interrompida, contemporaneamente, pela votação mínima da primeira vitória de Bush, a se encaminhar, com a queda das torres, para a civilização do medo, a invasão do Iraque apoiada na mentira, e a sucessão das guerras preventivas contra o Oriente Médio.


A islamofobia vai hoje a este fundamentalismo dos conservadores americanos, de cuja mostra diz madame Palin, a vice de todos os ideais dos red necks. Deixando-a ao largo, agora, os republicanos entram na cruzada amarga de voltar à ribalta acreditando, com Karl Rove, que o presidente eleito perderá rapidamente o seu fastígio diante da volta à centro-direita, como o inexorável eixo político do país. Mas a América de Obama não é mais um país que se encontra na defensiva histórica. Mostra, sim, ao mundo, o quanto a democracia escapou, de vez, ao jogo imemorial dos senhores do poder, e reencontrou a esperança selvagem, dos milhões de doadores de US$ 10 à campanha vencedora, e a militância disseminada em que a internet derrubou, de vez, os impérios mediáticos na ida às urnas.


Jornal do Brasil (RJ) 26/11/2008

Jornal do Brasil (RJ), 26/11/2008