Este verão, por enquanto, tem estado a cara das eleições. Muito chato e chuvoso, sem que nada de importante pareça0 estar acontecendo. Para o presidente, por exemplo, o ano já acabou e, portanto, presumo eu, só se deve esperar que ele trabalhe a partir do começo do ano que vem, ou seja, depois da Semana Santa. Mas isso, infelizmente, não pode acontecer com outras atividades não tão propícias ao lazer criativo quanto o bom governar. Não ficaria bem, por exemplo, que este jornal saísse hoje com vários espaços em branco, pedindo desculpas aos queridos leitores por não ter acontecido nada no dia anterior e com um editorial frisando que a direção não sabia de nada, não vira nada e nem sequer examinaria o jornal depois de impresso.
E a verdade é que, se este verão, digamos assim, não pegou até este momento, ainda vai pegar, ou está começando a pegar. É preciso um certo distanciamento crítico e sem dúvida não se dispensa o olhar arguto de um calejado jornalista, capaz de ilações que quiçá escapem ao observador casual. A História, como ocorre tão amiúde, se desenrola diante de nossos olhos e não a enxergamos. Em relação ao que pretendo abordar e que considero, embora bem modestamente, uma contribuição à coletividade, vemos até com inusitado interesse e, em muitos casos, com afincada assiduidade, mas nos atemos, para usar uma metáfora que por acaso cai bem, a observar as árvores individualmente, sem perceber a floresta.
Sim, ninguém ainda se tocou com a revolução que já borbulha silenciosamente sob uma superfície de aparência serena e já faz eclodir seus primeiros brotos. Começou entre nós faz algum tempo. Creio que os estudiosos do assunto apontarão um episódio acontecido com o então presidente Itamar Franco como a primeira manifestação do que antevejo para o futuro próximo e, seguramente, para este verão, quiçá muitos verões vindouros. Acho que vocês adivinharam mais ou menos aonde vou chegar. Sim, é verdade. Na minha opinião, este ano será conhecido pelos pósteros como o ponto inicial de uma moda que ninguém sabe como ou quando terminará: sair sem calcinha.
Devo admitir que demorei a perceber o que se passava. Nem me veio à mente que o incidente com o presidente Itamar estivesse abrindo uma nova era, circunstância, aliás, comum em muitas descobertas importantes. E até poucos dias atrás continuava a achar isolados os flagrantes de moças bonitas e famosas deixando perceber que estavam sem calcinha. Agora a impressão que me vem é de que o mulherio se prepara para uma ofensiva para a qual não sei se nós, homens, estamos preparados. Me informam de fonte limpa que hoje já há jovens que, com vergonha de confessar que nunca saíram sem calcinha, mentem sobre o assunto, tal e qual acontece com a virgindade. E não vale sem calcinha usando jeans ou calça comprida, não é levado em conta, o que vale é saia mesmo, porque só assim, imagino eu, é que vem a adrenalina, tão básica para os esportes radicais.
Sentiram agora a barra desse verão? Sentem os ventos da História soprando as pás implacáveis do progresso, percebem como há brasileiras valorosas em todas as frentes? Ainda no século passado, as feministas expressaram simbolicamente sua libertação do odioso jugo masculino tirando, jogando fora e ateando fogo nos sutiãs. Mas o terreno a conquistar ainda é vasto e inexplorado e aí é que o Brasil sai na frente. Podemos estar na lanterna em matéria de crescimento econômico, mas em outros crescimentos vamos muito bem. Creio mesmo que assistiremos, aqui no Rio de Janeiro, à fundação do Movimento das Sem-Calcinha, uma iniciativa de efeitos múltiplos, inclusive políticos e filantrópicos.
Politicamente, é muito fácil prever o poder que terá um movimento desses, se bem organizado. Duvido que algo tumultue mais a vida de uma nação do que uma passeata geral do MSC realizada em todas as grandes cidades brasileiras. Não digo que chegue aos números de uma passeata gay, que aí também já é concorrência desleal, mas o efeito seria tremendo. E se, além da ausência de calcinhas, houver ainda o equivalente, na área corporal em foco, às caras pintadas, nenhum governo ou poder conseguirá resistir. Chego mesmo a prever que, se formar um partido político, o MSC será decisivo na condução dos destinos do País. Já pensaram um comício gigante, com as militantes levantando as saias em sincronia e gritando “pelo Brasil”? É de arrepiar, não há insensibilidade cívica que resista.
Os aspectos filantrópicos são fáceis de antever. Em primeiro lugar, julgo incalculável a renda gerada por um leilão de calcinhas de celebridades e ouso mesmo pensar num evento fechadíssimo, com entradas beneficentes pagas a peso doiro, em que as proprietárias das calcinhas estariam presentes em pessoa, para remover as peças na presença de todos e lançá-las à liça de onde seriam arrematadas, sempre com lance mínimo elevado. As militantes que não estivessem dispostas a esse sacrifício poderiam pelo menos autografar calcinhas para que tivessem o mesmo destino. Isso para não falar em que o que dá para rir dá para chorar e a verdade é que, enquanto, nas áreas mais ricas, proliferam iniciativas como o MSC, no Nordeste seguramente há terreno para o MDD (Movimento das Desprevenidas), muitas das quais jamais usaram calcinhas e com essa redistribuição de rendas, poderão ser finalmente incluídas em sua plena cidadania. Sim, amigos, este verão ainda nos dará muita alegria. Está perto o dia em que a Prefeitura do Rio criará o Troféu Sharon Stone e a convidará para entregá-lo, num show na praia de Copacabana, à Descalcinhada do Ano, faceira e briosa musa de um país abençoado.
Diário da Manhã (GO) 10/12/2006