O avanço do século XX! e a normalização democrática no Ocidente cobram a expressão, no seu seio, das diferenças coletivas brotadas com base no pressuposto da unidade nacional. É o que exige o avanço da comunidade, e de seus múltiplos reconhecimentos sociais, frente ao comando da sociedade e seus controles hegemonicamente vigentes ainda na virada do século. As recentes manifestações de um radicalismo da direita, na Alemanha, levantam uma interrogação sobre os novos e inquietantes clamores pela dita pureza étnica, expressos, de saída, na premissa de só se reconhecer, de fato, como alemães os filhos de pais e mães nascidos no país. O que se depara é uma neoexpressão do fundamentalismo, na determinada concentração da cidadania, frente às populações nacionais. Essa purga no projeto político do país é uma opção exclusivista na escolha dos eleitos para o controle de uma Alemanha emergente.
Esses movimentos, já caracterizados como a busca de um IV Reich, não se podem comparar com a patologia do hitlerismo, tanto o movimento nazista exprimia uma resposta ao trauma da perda da Primeira Guerra com as indeterminações da República de Weimar. A luta do neorradicalismo contra o governo Merkel vai muito além da denúncia da infestação muçulmana trazida pela avalanche migratória gerada pelo EI e pela instabilidade, hoje, constitutiva do Oriente Médio. E, já num quadro global das polarizações emergentes, depara-se o fortalecimento do conservadorismo de Erdogan, na Turquia, e o autoritarismo de Sissi, no Egito, reforçando a repressão a partir dos muçulmanos, fortalecidos pela primeira eleição genuinamente democrática após a Primavera Árabe.
Não sem razão, em 2015, Merkel foi considerada, após Putin, a personalidade mais poderosa do mundo. E, exatamente, por apostar, sem volta - e ineditamente para a Alemanha -, no jogo democrático. É nessa sequência que a abertura das fronteiras aos refugiados dos outros continentes é de uma inédita maturidade institucional, a liderar o exercício da cidadania na pós-modernidade.