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O último aniversário

 

19/4/1950. No fim das coxilhas, acima dos capões que marcam a savana verde, a umidade avermelhada do Sol se anuncia, lentamente, num céu metálico e áspero. A claridade é pouca e, de quando em quando, um peão passa ao longe, para a faina diária. No alpendre da casa principal, paredes nuas, três entradas em forma de ogivas, o gaúcho de bombachas, prepara pausadamente o primeiro chimarrão do dia.

Há uma parede que divide em diagonal a estreita varanda. Antigamente, usava a chaleira de ferro, enegrecida pelo fogo dos braseiros. Hoje, a garrafa térmica que lhe deram é menos típica e mais prática. O mate e a bomba são os mesmos e mesmo é o gosto amargo e másculo que lhe esquenta a boca.

A casa baixa, diretamente sobre o chão, seis janelas e duas portas voltadas para a praça principal da cidade missioneira. Muita coisa acontecera na vida desse homem solitário que, em gestos lentos, enche mais uma vez o porongo. A largura dos horizontes em que nascera e se criara habituara-o a olhar para longe, e ele olha sempre para longe. Tem de si mesmo uma perspectiva apática, quase cruel. A savana verde ensinara-lha a fatalidade e submissão. Fatalisticamente, ele olha o horizonte –o Sol, afinal, saltara, ainda suave.

Olha os três pequenos pés de pau-brasil que mal nasciam e já eram fustigados pelo vento, que às vezes sopra mais forte, como um anúncio dos minuanos próximos.

Ouve a aproximação de passos e alguém aparece na porta que liga a varanda à sala de refeições.

– Bom dia, presidente. Feliz aniversário!

Ele encara seu guarda-costas com surpresa, mas sem alegria.

– Bom dia.

P.S.: Getúlio Vargas nasceu em um dia 19 de abril. A crônica acima é uma adaptação reduzida do livro "Quem Matou Vargas" (1967), de minha autoria.

Folha de S. Paulo(RJ), 15/4/2014