O Curioso Caso de Benjamin Button, filme com Brad Pitt que é forte candidato ao Oscar, inspira-se no conto homônimo do escritor americano Scott Fitzgerald. E este, por sua vez, parte de uma fantasia não muito rara: nascer velho e ir ficando progressivamente mais jovem. Eu mesmo escrevi uma história a respeito, sem saber do conto de Fitzgerald, que aliás vale a pena ler. Já no começo, ele descreve a horrorizada surpresa do pai ao constatar que o seu recém-nascido filho é um velho mirrado, um velho que mira-o placidamente e pergunta: “Você é meu pai”?.
Grande escritor, Fitzgerald soube captar em sua ficção a ansiedade que todos temos em comum com a inexorável passagem do tempo, o envelhecimento, a morte. Gostaríamos de ser jovens para sempre, de viver para sempre. A natureza, porém, não quer saber de nossas fantasias. Dotou-nos de um implacável relógio biológico que o botox pode atrasar um pouco, mas não deter. Mais do que isso, há casos, verdadeiramente dolorosos, em que este relógio se acelera de forma absurda e cruel.
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Estou falando de uma doença chamada progeria (o nome vem do grego geron, velho), congênita e muito rara: ocorre em um de cada 8 milhões de recém-nascidos. Em minha atividade médica, nunca cheguei a ver um caso. Melhor dizendo: vi, sim, um portador de progéria, um menino que morava no Partenon, mas vi-o na rua; era um diagnóstico que se impunha, mesmo a distância, por causa do tipo físico. A progéria é a doença da velhice prematura e acelerada: pele seca e enrugada, calvície, catarata, artrite, arteriosclerose rapidamente progressiva. E aí nós temos esta pungente contradição: uma criança velha.
É algo que não podemos entender. Aliás, no filme a questão da passagem do tempo também não chega a ensejar uma reflexão: a trama romântica predomina. Mas mesmo que essa reflexão existisse, mesmo que um garoto com progéria pudesse elaborar sua condição, não creio que chegaríamos a uma resposta, a não ser de natureza religiosa, para a questão do tempo, do envelhecimento e da morte.
Porque, em geral, tendemos a achar que nossa vida é curta para as indagações que nos acossam. Em seu leito de morte a escritora Gertrude Stein indagou às pessoas que ali estavam: “Qual é a resposta”?. Ninguém respondeu. Ela sorriu e disse: “Neste caso, qual é a pergunta”?. Já o conto de Fitzgerald termina com Benjamin Button bebê, retornando ao mistério do qual se originou: “Então ficou tudo escuro. O berço branco, as indistintas faces que se moviam a seu redor, o doce aroma do leite, tudo sumiu de sua mente” e ele volta ao nada. Ou seja: nascimento e morte se confundem.
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Não, não dá para invejar Benjamin Button. O que dá para fazer é aceitar nossas limitações, é vivermos da melhor forma possível. Não podemos perder tempo com ódios, com rancores, com mesquinharias. A vida é curta para isso, deve ter resmungado Button com seus botões. Uma frase que ouve quem tem ouvidos sensíveis e mente aberta.
Zero Hora (RS) 01/02/2009