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O suicídio do general

 

Cada vez entendo menos das coisas e dos homens. Em criança, entendia quase tudo, tudo era como era, encontrei um mundo pronto, chuva quando havia chuva, sol quando havia sol, as pessoas, as casas, tudo estava ali porque devia estar. Não precisavam de explicações nem justificativas. Até que era uma posição meio filosófica, herdada sem querer de Sócrates. Eu era um pré-socrático sem saber.


Hoje é diferente. Nada entendo de nada, sobretudo da confusão feita sobre a morte de um general no Haiti. Um lugar-comum consagrado pelo uso garante que os generais costumam morrer de pijama, na cama e ao amanhecer. No Haiti, o general morreu na varanda e estava de short.


Tudo leva a crer que foi um suicídio, mas, não sei por que, há uma lei não escrita que proíbe um general de se matar. Quando querem se livrar dele, mandam-lhe uma arma com o cartão do superior imediato. Foi o que aconteceu com o marechal Rommel, suspeito de ter tomado parte na conspiração que pretendia assassinar Hitler. No velho Japão, o Mikado mandava um punhal para o haraquiri.


Até agora não surgiram indícios de que havia qualquer tipo de pressão contra o comandante das Forças da ONU no Haiti. A missão que ele desempenhava era desoladora, rastreava uma politicalha brava, a corrupção, a miséria, mas o general estava ali em missão de paz, para evitar uma guerra civil que agravaria a situação daquele país.


Um complô político e militar que eliminasse o general é uma hipótese cada vez mais remota. O suicídio por motivos pessoais não afeta sua honra pessoal e profissional, não mancha sua folha de serviços, que dizem ser exemplar.


Falar em suicídio remete à citação obrigatória de Albert Camus, que morreu num acidente de estrada que em absoluto foi considerado um suicídio. Embora ele tenha dito que o suicídio é o único problema real que se apresenta à condição humana.




Folha de São Paulo (São Paulo) 15/1/2006