A presença de Obama em Phnom Penh, capital do Camboja, para a reunião da Associação de Nações do Sudeste Asiático, sua primeira viagem após a vitória, indica os nortes emergentes da globalização não hegemônica. E é toda essa região que avulta num cenário suscetível, até, de criar uma diferença com os Brics, em área, hoje, consciente de seu novo protagonismo. Ali, a Malásia evidencia um paradoxo, quase vertiginoso, de transformações, no avanço da modernidade democrática. Combina a tradição política com uma monarquia rotativa, de mandato de cinco anos, outorgado a cada rei, de par com a mais intransigente federação de poderes, e é, talvez, o único caso deste regime político, dotado de primeiro-ministro parlamentarista.
A afirmação identitária da Malásia sobrepõe-se à múltipla influência cultural, a portuguesa, a holandesa e a inglesa. Implica, por aí mesmo, a assunção peremptória do islamismo, já que a Constituição do país estabelece esta condição de crença para todo o cidadão, e o conteúdo religioso vai ao próprio modelo econômico.
O atual primeiro-ministro, Najib Razak, vem de declarar que o capitalismo liberal é "contra a fé". A extraordinária expansão da prosperidade da Malásia combina o setor público e privado, comportando a expansão das maiores empresas financeiras mundiais, numa dispersão por todo o Sudeste Asiático, num país que ainda vive do mercado exportador de borracha e estanho. Mas, no mercado de capitais, consagra-se, ao mesmo tempo, o crime de usura em toda a sua dinâmica de mercado.
É, sobretudo, numa dimensão prospectiva, que a presença da Malásia cresce na Ásia, e, numa inédita caução de futuro, o atual governo tenta resguardar-se do fundamentalismo, tão presente na fé islâmica. A aposta vai, sobretudo, ao desenvolvimento inédito da sociedade civil e às formações comunitárias, a frear partidos do radicalismo maometano de direita e esquerda.
Seu fruto é o da originalidade do chamado Movimento de Resistência Democrática, que o atual governo estende, das formações políticas às raízes sociais, na latitude que permitem as dimensões da fé. A riqueza prospectiva desta consciência malaia vai ao Movimento Global dos Moderados, no empenho da conquista do estado de direito em todo o Sudeste Asiático.
A proposta é inédita em toda a região, e dota a Malásia de voz, ao mesmo tempo, quase autônoma, nas prescrições do desenvolvimento sustentável, e o reclamo de uma plataforma de direitos humanos. E tal, ainda, na força da moderação, ínsita ao patrimônio histórico dessa cultura, mesmo antes de um imperativo da consciência universal.
Obama pôde sentir, em Phnom Penh, o impacto desta arregimentação política do Sudeste Asiático, fora dos antigos contrapontos globais. E de um novo poder de barganha com a certeza, a seu tempo, do compromisso democrático, e à margem de novas polarizações internacionais, inclusive, dos próprios Brics tão presentes nas fronteiras da área.
O Globo, 1/12/2012