Mais importante que o resultado que se desenhou ontem de unanimidade em favor da legalidade do inquérito das fake news em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) foi o fato de que não houve qualquer limitação no julgamento. Os oito votos dados até agora são pela improcedência total da alegação de que o inquérito é inconstitucional, e as investigações continuam absolutamente idênticas.
No dia anterior, em votação eletrônica, o plenário do STF já havia decidido por 9 a 1 manter o (ainda) ministro da Educação Abraham Weintraub como parte do inquérito sobre as fake news. Essa decisão foi mais fácil, pois já há uma jurisprudência na Corte que impede um ministro de receber habeas corpus contra medida de outro colega.
O (ainda) ministro Weintraub, como suas bravatas contra os membros do Supremo e do Congresso, aos quais chamou de vagabundos que deveriam estar na cadeia, repetiu a invectiva em uma manifestação de seguidores bolsonaristas nas ruas de Brasília, e não escapou de ser escrutinado no inquérito por suas ações e gestos.
Bolsonaro, como faz com seus seguidores mais aloprados como a tal de Sara Giromini, autointitulada Winter está tentando uma “saída honrosa” para Weintraub, especulado para ser o representante do Brasil no Banco Mundial para ajudar a desgastar ainda mais a imagem do país no exterior.
No julgamento, até mesmo o ministro Celso de Mello, que discorda dessa jurisprudência, a adotou em seu voto em favor do “principio do colegiado”. O ministro Marco Aurélio deixou sua marca, como fez regularmente nesses 30 anos de STF completados semana passada, e votou a favor do habeas corpus.
Nas homenagens que recebeu, essa característica foi ressaltada, com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, lembrando que votos vencidos de Marco Aurélio tornaram-se teses majoritárias e formadoras de jurisprudências na Corte com o passar dos anos. Com relação ao inquérito das fake news, dará seu voto amanhã, e talvez mantenha-se contra a corrente.
O relator, ministro Edson Fachin, ressaltou que diante do “ (...) incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido”.
Diante das provas documentais chocantes apresentadas pelo ministro Alexandre de Moraes, que leu em seu voto ameaças de morte a membros do Supremo e até mesmo de estupro de filhas de seus membros por uma advogada do Rio Grande do Sul, já localizada e devidamente indiciada, os ministros manifestaram-se veementemente em favor da instituição e da democracia.
Todos fizeram questão de separar “liberdade de expressão” de causas antidemocráticas e ilegais como a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal, incentivos a agressões e incitamento à violência contra membros do Supremo e seus familiares.
O ministro Luis Roberto Barroso salientou que as investigações só se atém a ataques criminosos, não a críticas às decisões do Supremo ou a opiniões de seus membros. “Quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, (...) é criminoso, porque atacar pessoas com ódio, com violência, com ameaças, não é coisa de gente de bem, é gente capturada pelo mal”, afirmou.
O futuro presidente do Supremo, ministro Luis Fux, classificou os atos de “gravíssimos atentados à dignidade da Corte e da democracia”, e classificou de “terrorismo” os ataques promovidos contra o Supremo. A ministra Cármen Lúcia fixou a maioria a favor da legalidade do inquérito sobre fake news afirmando que liberdade não rima juridicamente com criminalidade, e sim com responsabilidade. Para o ministro Gilmar Mendes, as investigações abrangem “atuação organizada que objetiva o cometimento de crimes”, não protegida pela Constituição.
Uma resposta eloquente e com consequências às bravatas do presidente Bolsonaro, que ameaça, como repetiu ontem, não aceitar mais medidas vindas do Supremo, o que caracterizaria crime de responsabilidade, mas até agora não se sentiu com condições políticas de bancar um rompimento com a legalidade.