Finca a barraca colorida na areia. Nem o sol aberto nem o azul do céu atenuam o mau humor. Desejava ficar na cama, gastar a manhã dominical no sem-fazer-nada. Mas o jato passara perto da janela e o trovão acordara as meninas:
– Vamos ver o show aéreo, pai?
A interrogação era uma sutileza infantil: na verdade, era apenas uma ordem. E lá foi ele com as cangalhas de praia, barraca, óculos escuros, baldes, boias. Faz o monte de areia para descansar as costas e prepara-se para o espetáculo que os ricos irmãos lá do Norte periodicamente promovem para gáudio e meditação dos povos subdesenvolvidos.
Na barraca ao lado, o rádio manda a voz de Doris Day naquela canção fora de moda:
“By the light of the silvery moon.”
Acha indecente lembrar um luar prateado com aquele sol que lhe come a carne. Mais refrescante do que a Doris Day e o luar prateado, a francesa da barraca ao lado exibe com terceiras intenções o seu biquíni e o respectivo conteúdo.
Para esquecer outros biquínis e conteúdos, tenta um mergulho, antes que os aviões mergulhem em cima dele. Vence a primeira onda e fica boiando, pulga insignificante no corpo daquele bicho azul e monstruoso que se retorce e espuma – o mar.
Até que das muralhas dos edifícios surge a esquadrilha de jatos. “Formação em diamante” – segundo os técnicos. Mas ele não é técnico e nada acha de diamante naquilo. Parece mesmo é esquadrilha de avião. E sai aquela fumaçazinha branca e o barulho é cruel. Por estranho que pareça, as meninas não têm medo. Quem tem medo é ele. Torce secretamente para que haja um acidente, dois jatos se chocando, gritaria, morte, o diabo. Por que inventam essas coisas? Uma onda mais forte o atinge e ele fica feliz porque é um sobrevivente.
Folha de S. Paulo, 20/9/2009