Não tenho tempo e, mesmo que tivesse, não teria interesse em saber quantas horas e em quantos lugares o presidente da República permanece em palanques, improvisados ou não, falando bem de si mesmo e falando mal dos outros. Semana passada, num só dia, inaugurou coisas já inauguradas em três Estados do Nordeste, cumprindo a liturgia primária dos comícios eleitorais e não o cerimonial administrativo.
No final da mesma semana, aqui no Rio, gabou-se da indústria naval que nada deve a ele, uma vez que ela ressurgiu das cinzas em 1999, por obra e graça do governo estadual do Rio de Janeiro, que precisou vencer resistências do governo federal da época.
A frase que marcou sua passagem pelo Rio foi, com perdão da palavra, de uma idiotice arrogante: "Não tenho cara da zona sul". O apelo ao povão nunca foi tão grosseiro. E, ao mesmo tempo, tão inútil. Lula sempre teve boa votação na zona sul carioca, era e ainda continua sendo uma espécie de queridinho das rodas inteligentes e politizadas que se espalham pelos bairros da alta classe média. De certa forma, ele é o substituto dos velhos udenistas reacionários que empolgavam o eleitorado carioca em outros tempos.
Os grotões da cidade sempre foram fiéis a políticos demonizados pelas elites e pelo poder econômico, como Lutero Vargas, Leonel Brizola e, atualmente, segundo leio por aí, por Garotinho.
Em comparação com eles, Lula é um senhor cartola, não importa que bote qualquer chapéu na cabeça e diga qualquer besteira para levantar as massas.
Será candidato, é lógico, e tem tudo para vencer o páreo que há meses está disputando sozinho e sem qualquer escrúpulo. Pior para o Rio: depois do desastre de FHC, que só não vendeu o Pão de Açúcar porque não apareceu comprador, sofremos agora a demagogia alucinada.
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/1/2006