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O retrato na galeria

 

No dia de N. S. do Carmo, a padroeira do Recife, a Academia Brasileira de Letras, por gesto do presidente Sandroni pôs meu retrato na Galeria dos Presidentes. Também era um dia de saudades para a nossa família. Transcorrida mais um aniversário da perda da minha sogra, minha grande amiga. Admirável figura humana, tipo perfeito de Mater Familias nordestina. Engravidou vinte e duas vezes, distribuiu amor às pessoas vinte e dois milhões de vezes, pelo menos. Rezou o tempo todo.


Pois é com o pensamento na boa lembrança dela que aqui me apresento alegre e confortado no seu exemplo de mulher cristã.


E ainda, tenho nos olhos o que Carlos Fuentes disse da arte refinada das fotografias de Juan Rulfo. Para Fuentes, Rulfo descobria a luminosidade das sombras.


Assim faço eu. Descubro a luminosidade das sombras, nesta idade setentona em que o quarto se perde em luz se conquista em sombra.


A galeria dos presidentes faz com que cada um de nós que a compomos sinta-se mais responsável no processo de dignificá-la. O retrato que se expõe fica é dentro de nós, a nos impor humildade.


Quando a Diretoria que presidi decidiu-se por instalá-la, não se cigitou senão em homenagear os condutores de até então. Não se pensou direitinho que um dia estaríamos ali, de cara exposta, feio ou bonito, sisudo ou sorridente, enfardado ou paisano. Todos em testemunho apenas das glórias coletivas.


Creio que cada um que lá se ponha tem é que não permitir desfocagem do retrato. Pode amarelecer - como evitar? - mas nada de perder o foco.


A perdê-lo, melhor seria a invisibilidade. Perder o foco significa ter que entrar naquela sala com olhar oblíquo. Isto, nunca.


Quero dizer que nenhum de nós que dela faz parte se sente desobrigado com os ideais da Academia.


Manoel de Barros falou que suas fotos o paisageavam em pantanal. Os ex-presidentes se galerificam, isto é, declaram-se apenas mais um. Só isto: mais um entre os quarenta. Galeria é coletividade.


Quando o daguerreotipo chegou ao Rio, Machado de Assis entusiasmou-se. Foi à casa de amigos para ver a novidade. Entusiasmado, mencionou que a crônica que escreveu de que aquilo era apenas o começo de conquistas que certamente estavam a caminho. Tal e qual. A Academia, por exemplo, avançou na tecnologia, usa a internet, domina o on-line e o off-line e haverá de estar pronta para viver os novos avanços da sociedade. É até mais fácil para quem da técnica chegou à tecnologia.


Da forma alguma teremos que repetir a pergunta de Cecília Meireles:


"Em que espelho ficou perdida a minha face?".


A face da Academia, por deferência muito honrosa dos confrades, ela - a face de todos nós - está resumida naquela galeria. Ninguém tem a face perdida.


Os ex-presidentes, à maneira de Quintana, nos retratos feitos traço a traço, estão ali para continuada manifestação de categóricos agradecimentos e para reiterar responsabilidade.


Permitam-me revelar um acento bem pessoal. Estou feliz pelo ato que vivi porém ainda mais feliz estarei quando Chegar à galeria o meu vizinho. Continuaremos juntos, não é Cícero Sandroni?


Jornal do Commercio (RJ), 28/7/2009