A caminho do terceiro mês de crise, e como se não bastassem a confusão nacional e a indignação da sociedade, setores mais entusiastas do "quanto mais cuspe melhor" criticam o silêncio dos intelectuais. Uma cobrança polêmica. Nunca os intelectuais falaram tanto, contra, a favor ou mais menos. Falaram e continuam falando mais do que os depoentes das CPIs, as autoridades, os inocentes e os culpados.
Entre os muitos defeitos do intelectual não está o silêncio. Pelo contrário, ele fala demais, fala até o que não deveria falar -como é o meu caso, embora eu tenha dúvidas sobre se sou mesmo intelectual, embora meu ofício, o de escritor e jornalista, o seja.
Mas a reclamação existe e é justificada. Afinal, antes de ser uma crise do governo, a crise é do PT, ceifado pela corrupção ali instalada pela cúpula que o dirige. Na genealogia do partido que reunisse os trabalhadores, que desse voz às classes oprimidas que historicamente e em diversas regiões do mundo tentaram se organizar num grupo de atuação política, o diferencial foi o discurso dos intelectuais de diversos tamanhos e feitios, agrupados em universidades, como a USP, os arautos da Teologia da Libertação, a quase totalidade da mídia nacional.
Falaram muito e patrulharam mais, discriminando escancaradamente aqueles que divergiam da linha salvadora que traçaram para os militantes de rua e palanque, principalmente para um certo ex-metalúrgico que tinha o carisma e a coragem que os intelectuais não possuíam.
Vestais do "logos" traçaram a "práxis" petista, decidindo quem era bom e quem era mal. E não apenas na quebra de braço partidária em si, mas em todos os setores sociais e culturais.
Sem estarem no poder, funcionavam como Bérias, distribuindo bulas de aprovação ou reprovação baseados numa alegada busca de justiça social que redimiria as misérias cometidas no dia-a-dia do vale-tudo pela conquista do poder.
Esse é o silêncio que foi cobrado e não foi rompido.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/09/2005