Caminho entre as ruínas de uma cena política devastada. E indago aos deuses tutelares do Brasil se dissipamos por completo a herança da Nova República, ou se ainda resta o mais precioso fundamento: de que a democracia é irmã gêmea da justiça social, renovada e corrigida pelo voto popular.
O inócuo discurso de posse do senhor Temer não só não reafirma essa mútua dependência, como também não menciona o combate à corrupção. Talvez o faça esta noite, quem sabe? Deveria fazê-lo decerto, explicando por que a base do Governo interino retirou o pedido de urgência do Projeto de Lei 855/ 2015, que criminaliza o caixa dois, e por que sancionou, depois de sua posse, a Lei 13.332/16, que flexibiliza as regras para abertura de créditos suplementares. Se a Nova República entrou no CTI depois das eleições de 2014, poderá ter deixado de respirar no dia 31 de agosto, pelo regime de ódio que contaminou o país, alimentado por grandes agentes da intolerância.
O processo de impeachment não contribui para a reconstrução do cenário de escombros, liderado por duvidosos núcleos políticos ficha suja, na iminência de perderem o mandato ou de se tornarem inelegíveis, cujos nomes brilham, como estrelas de primeira grandeza, na lista das grandes construtoras. Há algo de anômalo com o atual sistema político, ao adiar para mais de um ano a perda do mandato do presidente da Câmara dos Deputados, ao passo que o cargo da presidência da República parece mais fácil de ser retirado, independentemente de quais sejam seus ocupantes. O impedimento abre uma ferida que pode levar muitos anos para cicatrizar, sobretudo quando sua narrativa deixa lacunas quanto ao mérito, debate e isenção de todos os envolvidos.
Não será simples montar o quebra-cabeça, a partir do baixo clero do Congresso ou dos áulicos do governo Temer, ele mesmo inelegível segundo a lei, com a oficiosa intranet do senhor Eduardo Cunha ao aparelhar o Estado com figuras no mínimo controversas, ligadas a um programa de desconstrução de conquistas da civilização ocidental, que não constituem monopólio do governo anterior, e que nada tem a ver com as astúcias do demônio, como dizem os parlamentares ultraconservadores.
Não sabemos exatamente qual a saída, quais os novos termos para o diálogo e seus protagonistas, diante de um governo fragilizado por boa parte de seus integrantes, e que pode não chegar a 2018, a não ser que prevaleça um novo projeto sobre abuso de autoridade capaz de frear as muitas frentes de investigação.
Insisto que os princípios da Nova República, viva ou em estado terminal, seguem inarredáveis: democracia e justiça social. Comemoramos hoje a Independência do Brasil, por onde cresce uma esperança teimosa e altiva para o futuro. Porque somos todos brasileiros. Como disse uma vez um grande poeta, hoje podemos dizer apenas o que não somos e o que não queremos.